Especialista em trânsito critica culpabilização de pedestre e dupla função o motorista

O advogado Marcelo Araújo, especialista em trânsito, fala hoje em sua coluna sobre a omissão do poder público (leia-se prefeitura) e a dupla função de motorista/cobrador em Curitiba; nesta segunda, na Câmara, os vereadores debatem essa questão relativa ao transporte público; leia e opine.
O advogado Marcelo Araújo, especialista em trânsito, fala hoje em sua coluna sobre a omissão do poder público (leia-se prefeitura) e a dupla função de motorista/cobrador em Curitiba; nesta segunda, na Câmara, os vereadores debatem essa questão relativa ao transporte público; leia e opine.
por Marcelo Araújo*

Matéria publicada na Gazeta do Povo do dia 04/08 (clique aqui para ler) trouxe à  baila a discussão sobre a responsabilidade da Prefeitura por acidentes que ocorrem em calçadas. O assunto envolve trânsito, mobilidade e acessibilidade, e transporte, pois na condição de pedestre é a forma mais primitiva e simples de se deslocar, e é o ser humano que deve ser privilegiado em detrimento da máquina, o criador e não a criatura.

Antes de qualquer opinião se faz necessário buscar alguns conceitos fundamentais, dentre eles “Trânsito”. O próprio Código faz essa definição como sendo a utilização das vias por pessoas, veículos e animais para fins de circulação, parada, estacionamento, etc. Destaca ainda que o trânsito em condições seguras é direito de todos e dever dos órgãos de trânsito. Arremata ainda que os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito respondem “objetivamente” por danos causados aos cidadãos por ações, omissões ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro. Lembramos que a responsabilidade “objetiva” que é mencionada na Lei é aquela que independe de “dolo ou culpa”.

Na referida matéria jornalística a Prefeitura se defende imputando a culpa ao dono do imóvel defronte o qual estaria a calçada, por ser o responsável por sua construção e manutenção, devendo o prejudicado provar nexo entre o acidente e a conduta (culposa ou dolosa) do município. Cristalina é a contradição entre o que está estabelecido no CTB e o entendimento de que para o município ser responsabilizado ela teria que ser “subjetiva”, decorrente de dolo ou culpa. De fato a Lei Municipal 11.596/05 (sete anos mais jovem que o CTB) impõe ao proprietário do imóvel de via pavimentada a construção e manutenção da calçada, mas sendo omisso o Poder Público ficaria omisso também, incorrendo na omissão acima citada?

Também não se pode esquecer que a calçada faz parte da via pública, na qual são aplicáveis as regras de trânsito, tanto é assim que ela está definida no Anexo I do CTB como parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, reservada ao trânsito de pedestres bem como implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação. Define ainda “passeio” como parte da calçada destinada à  circulação de pedestres e excepcionalmente ciclistas, livre de interferências.

Devemos considerar acima de tudo que diferentemente dos condutores de veículos motorizados, os pedestres não são submetidos a qualquer exame ou avaliação para utilizarem as vias. São crianças, idosos, deficientes com problemas de locomoção, audição, visão, etc., portanto muito mais frágeis à s irregularidades do piso, desníveis, falta de atrito entre outros. Com o advento dos Juizados Especiais da Fazenda houve facilitação para o cidadão da busca de seus direitos, especialmente de valores mais modestos e questões de menor complexidade, nas quais não haja, por exemplo, necessidade de perícia.

Economia

Transporte coletivo, uma questão de interpretação?

A mesma Gazeta trouxe no dia 02/08 (clique aqui para ler) uma matéria que versou sobre a interpretação de que não podendo ser simultânea a direção do veículo e a cobrança de passagens, não haveria irregularidade se o motorista realizasse essa cobrança com o veículo parado. Novamente precisamos recorrer ao Código de Trânsito para esclarecer conceitos básicos, sendo que o primeiro já foi definido no comentário acima, de que “Trânsito” engloba também os veículos que estejam parados e estacionados, pois sujeitos à s regras do CTB. Nesse aspecto se faz necessário compreender que “Parada” é a imobilização para fins de embarque e desembarque de passageiros”, portanto algo momentâneo, numa inércia temporária como a que se dá na obediência a um semáforo (e que no Código de Trânsito de 1948 também era definida como parada), portanto nessa condição o condutor ainda se encontra na direção do veículo.

Sem sequer entrar na questão trabalhista na qual não militamos para ousar discutir eventual desvio de função que conste em seu contrato de trabalho, mas sequer seria necessário fazer outra Lei para deixar claro que o motorista não pode exercer a outra função.

*Marcelo Araújo, advogado, professor de Direito de Trânsito das Faculdades Dom Bosco, Presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB/PR. à‰ colunista e escreve à s segundas-feiras no Blog do Esmael.

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