“Na hora de fazer não gritou” – #ViolênciaContraMulher

Por Andrea Dip, da Agência Pública

Essa frase, ouvida por muitas mulheres na hora do parto, é uma das tantas caras da violência obstétrica que vitima uma em cada quatro mulheres brasileiras. Eu fui uma delas. Foto: divulgação.
Essa frase, ouvida por muitas mulheres na hora do parto, é uma das tantas caras da violência obstétrica que vitima uma em cada quatro mulheres brasileiras. Eu fui uma delas. Foto: divulgação.
Eu tive meu filho em um esquema conhecido por profissionais da área da saúde como o limbo do parto: um hospital precário, porém maquiado para parecer mais atrativo para a classe média, que atende a muitos convênios baratos, por isso está sempre lotado, não é gratuito, mas o atendimento lembra o pior do SUS, porém sem os profissionais capacitados dos melhores hospitais públicos nem a infraestrutura dos hospitais caros particulares para emergências reais. Durante o pré-natal, fui atendida por plantonistas sem nome. Também não me lembro do rosto de nenhum deles. O meu nome variava conforme o número escrito no papel de senha da fila de espera: um dia eu era 234, outro 525. Até que, durante um desses atendimentos! a médica resolveu fazer um descolamento de membrana, através de um exame doloroso de toque, para acelerar meu parto, porque minha barriga já estava muito grande!. Saí do consultório com muita dor e na mesma noite, em casa, minha bolsa rompeu. Fui para o tal hospital do convênio já em trabalho de parto.

Quando cheguei, me instalaram em uma cadeira de plástico da recepção e informaram meus acompanhantes que eu deveria procurar outro hospital porque aquele estava lotado. Lembro que fazia muito frio e eu estava molhada e gelada, pois minha bolsa continuava a vazar. Fiquei muito doente por causa disso. Minha mãe ameaçou ligar para o advogado, disse que processaria o hospital e que eu não sairia de lá em estágio tão avançado do trabalho de parto. Meu pai quis bater no homem da recepção. Enquanto isso, minhas contrações aumentavam. Antes de ser finalmente internada, passei por um exame de toque coletivo, feito por um médico e seus estudantes, para verificar minha dilatação. Já dá para ver o cabelo do bebê, quer ver pai?! mostrava o médico para seus alunos e para o pai do meu filho. Consigo me lembrar de poucas situações em que fiquei tão constrangida na vida. Cerca de uma hora depois, me colocaram em uma sala com várias mulheres. Quando uma gritava, a enfermeira dizia: pare de gritar, você está incomodando as outras mães, não faça escândalo!. Se eu posso considerar que tive alguma sorte neste momento, foi o de terem me esquecido no fim da sala, pois não me colocaram o soro com ocitocina sintética que acelera o parto e aumenta as contrações, intensificando muito a dor. Hoje eu sei que se tivessem feito, provavelmente eu teria implorado por uma cesariana, como a grande maioria das mulheres.

Não tive direito a acompanhante. O pai do meu filho entrava na sala de vez em quando, mas não podia ficar muito para preservar a privacidade das outras mulheres. A moça que gritava pariu no corredor. Até que uma enfermeira lembrou de mim e me mandou fazer força. Quando eu estava quase dando a luz, ela gritou: pára!! e me levou para o centro cirúrgico. Lá me deram uma combinação de anestesia peridural com raquidiana, sem me perguntar se eu precisava ou gostaria de ser anestesiada, me deitaram, fizeram uma episotomia (corte na vagina) sem meu consentimento !“ procedimento desnecessário na grande maioria dos casos, segundo pesquisas da medicina moderna !“ empurraram a minha barriga e puxaram meu bebê em um parto normal!. Achei que teria meu filho nos braços, queria ver a carinha dele, mas me mostraram de longe e antes que eu pudesse esticar a mão para tocá-lo, levaram-no para longe de mim. Já no quarto, tentei por três vezes levantar para ir até o berçario e três vezes desmaiei por causa da anestesia. Descanse um pouco mãezinha! diziam as enfermeiras Sossega!! Eu não queria descansar, só estaria sossegada com meu filho junto de mim! O fotógrafo do hospital (que eu nem sabia que estava no meu parto) veio nos vender a primeira imagem do bebê, já limpo, vestido e penteado. Foi assim que eu vi pela primeira vez o rostinho dele, que só chegou para mamar cerca de 4 horas depois.

Faz exatamente nove anos que tudo isso aconteceu e hoje é ainda mais doloroso relembrar porque descobri que o que vivi não foi uma fatalidade, ou um pesadelo: eu, como uma a cada quatro mulheres brasileiras, fui vítima de violência obstétrica.

UMA EM CADA QUATRO MULHERES SOFRE VIOLàŠNCIA NO PARTO

Economia

O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à  mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à  luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à  sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisaMulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado!, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência.

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Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como explica a obstetriz e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte: impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento!.

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A lista é imensa e muitas nem sabem que podem chamar isso de violência. Se você perguntar se as mulheres já passaram por ao menos uma destas situações, provavelmente chegará a 100% dos partos no Brasil! diz Ana Cristina, que faz parte de um grupo cada vez maior de mulheres que, principalmente através de blogs e redes sociais, têm lutado para denunciar a violência obstétrica tão rotineira e banalizada nos aparelhos de saúde.

Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, fisica, sexual! diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero! que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica dificil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas! acredita. E dá alguns exemplos: Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como “duvido que você reclame do seu marido” e “Não está gostoso?!

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Em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados em seus corpos! lembra a jornalista mestre em ciências Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa. Nós quisemos mostrar para outras mulheres que aquilo que elas tinham como desconforto do parto era, na verdade, a violação de seus direitos. Hoje nós somos protagonistas das nossas vidas e quando chega no momento do parto, perdemos a condição de sujeito! opina Ana Carolina.

Desse teste nasceu o documentário Violência Obstétrica !“ A voz das brasileiras! (que você pode assistir no fim da matéria) com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea!.

Mas talvez o relato mais triste seja o da mineira Ana Paula, que após planejar um parto natural, foi ao hospital com uma complicação e, sem qualquer explicação por parte dos profissionais, foi anestesiada, amarrada na cama, mesmo sob protestos, submetida a episiotomia, separada da filha, largada por várias horas em uma sala sem o marido e sem informações. Seu bebê não resistiu e faleceu por causas obscuras. Ana Paula denunciou o falecimento de sua filha ao Ministério da Saúde pedindo uma investigação e em paralelo denunciou a equipe, convênio médico e o hospital que a atenderam ao CRM de Belo Horizonte. Diante do silêncio do Conselho, que abriu uma sindicância em novembro de 2012 e não forneceu mais informações, a advogada de Ana Paula, Gabriella Sallit, entrou com uma ação na justiça.

O processo da Ana Paula foi o primeiro que trata a violência obstetrica nestes termos. Não é um processo contra erro médico, ou pelo fim de uma conduta médica. à‰ sobre o procedimento, a violência no tratar. à‰ um marco porque é o primeiro no Brasil! explica a advogada. à‰ uma ação de indenização por dano moral que lida com atos notoriamente reconhecidos como violência obstétrica. Tudo isso tem respaldo na nossa legislação!, diz.

Para prevenir a violência no parto, infelizmente comum, a advogada aconselha que as mulheres escrevam uma carta de intenções com os procedimentos que aceitam e não aceitam durante a internação. Faça a equipe assinar assim que chegar ao hospital. E antes de sair do hospital, requisite seu prontuário e o do bebê. à‰ um direito que muitas mulheres desconhecem. Isso é mais importante do que a mala da maternidade, fraldas e roupas. Estamos falando de algo que pode te marcar para o resto da vida!.

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DIREITOS LEGAIS DESRESPEITADOS NAS MATERNIDADES

Além do nosso código penal e dos vários tratados internacionais que regulam de forma geral os direitos humanos e direitos das mulheres em especial, a portaria 569 de 2000 do Ministério da Saúde, que institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS, diz: toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério! e toda gestante tem direito à  assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura! e a LEI N!º 11.108, DE 7 DE ABRIL DE 2005 garante à s parturientes o direito à  presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais do SUS. Mas dificilmente essas normas são seguidas, como explica a pesquisadora Simone Diniz (leia entrevista na íntegra), formada em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, que participou da pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento!, grande e minucioso panorama realizado pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde !“ ainda sem data para lançamento.

O parto é muito medicalizado e muito marcado pela hierarquia social da mulher no Brasil. Para algumas questões de saúde, como para quem tem HIV, precisa de um antiretroviral ou de uma cirurgia, você tem o mesmo procedimento público e privado, existe um padrão do que é considerado como aceitável. Para o parto não. A assistência ao parto para as mulheres de menor renda e escolaridade e para aquelas que o IBGE chama de pardas e negras, é muito diferente das mulheres escolarizadas, que estão no setor privado, pagantes. Normalmente as mulheres de renda mais baixa têm uma assistência que não dá nenhum direito a escolha sobre procedimentos. Os serviços atendem essas mulheres para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência, como ficar sem acompanhante e serem submetidas a procedimentos invasivos que não deveriam ser usados a não ser com extrema cautela, como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções, a ruptura da bolsa, como aceleração do parto. à‰ uma ideia de produtividade que parte do pressuposto que o parto é um evento desagrádavel, degradante, humilhante, repulsivo, sujo e que portanto aquilo deve ser encurtado. No setor público é pior, mas é preciso levar em conta que no setor privado, 70% das mulheres nem entra em trabalho de parto, vão direto para cesarianas eletivas!.

CESARIANA DESNECESSàRIA: MAIS UMA VIOLàŠNCIA CONTRA A MULHER

A imposição de uma cesariana desnecessária também tem sido vista pelos pesquisadores e pelas próprias mulheres como uma forma de violência porque além de um procedimento invasivo, oferece mais riscos a curto e longo prazo para a mãe e o bebê. Hoje nós sabemos que existe muito mais segurança nos partos fisiológicos do que nas cesáreas. Não tenha dúvidas de que elas são um recurso importante que salva vidas quando realmente necessárias. Mas no parto fisiológico o bebê tem menor chance de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecções, tem o melhor prognóstico de todos! explica Simone Diniz. O bebê nasce estéril e a medida que ele entra em contato com as bactérias da vagina durante o parto, é colonizado por elas e isso fará com que ele desenvolva um sistema imune muito mais saudável do que se nascer de cesárea e for contaminado por bactérias hospitalares. Esse é conhecimento recente, mas já sairam pesquisas sobre risco diferenciado de asma, diabete, obesidade e uma série de doencas crônicas!.

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Apesar do índice máximo de cesarianas aconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ser o de 15%, o Brasil lidera o ranking na América Latina, segundo a Unicef, com mais de 50% de nascimentos através da cirurgia. O índice sobe consideravelmente quando se olha apenas para os hospitais particulares. Em 2010, 81,83% das crianças que nasceram via convênios médicos, vieram ao mundo por cesarianas. Em 2011, o número aumentou para 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Há ainda hospitais particulares como o Santa Joana, em São Paulo, que no primeiro trimestre de 2009 apresentou taxa de 93,18% cesarianas, segundo o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Questionada a respeito, a ANS declarou por meio de assessoria de imprensa que vem trabalhando, desde 2005, para a diminuição do número de partos cesáreos, mas o problema é bastante complexo e multifatorial, envolvendo a organização do trabalho do médico, dos hospitais e a própria cultura e informação da população brasileira!. Disse ainda que não existe limite para a realização de partos cesáreos! e que isso depende da indicação médica.

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No filme O Renascimento do Parto!, ainda sem data de estreia no Brasil, mas que já possui uma versão resumida no Youtube, o pediatra Ricardo Chaves questiona: Eu quero saber o seguinte: nós combinamos com o bebê que ele vai nascer sexta-feira, quatro da tarde? Ele respondeu que tem condição de nascer?!

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NOS CONSULTà“RIOS, A PRàTICA à‰ ASSUSTAR A MULHER

Os profissionais têm opiniões diferentes a respeito do grande volume de cesarianas. Para a médica obstetra representante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) Silvana Morandini, a medicina defensiva está indicando mais a cesárea. Se o bebê tem circular de cordão no pescoço, se é um feto muito grande, se tem placenta marginal, qualquer diagnóstico que possa dar problema, aumenta a prescrição!. Ela chama isso de conduta defensiva!, por medo de dar errado!. Silvana também acredita que o grande número de cesáreas é cultural. A mulher brasileira tem a ideia de que com o parto vaginal vai ficar com o perineo mais flácido!.

Já o obstetra especialista em parto humanizado Jorge Kuhn acredita que a grande culpada pelo boom de cesarianas foi a mudança do modelo obstétrico. Antigamente o modelo era centrado na obstetriz. O médico era chamado nos casos de complicação. A transformação do parto domiciliar em hospitalar, na década de 1970, aumentou a incidência de cesarianas. à‰ lógico que esse índice também cresceu por outras razões, como gravidez múltipla, idade avançada e riscos reais !. Ele explica que outro fator importante foi a entrada dos convênios médicos nos planos de parto. Eles perceberam que para vender planos de saúde, um bom argumento era o de que a mulher faria o pré-natal com o mesmo médico que faria o parto e isso é a maior cilada. Porque o médico prefere ficar no consultório a sair para ganhar tão pouco. Dizem que a mulher escolhe a cesariana, mas o parto normal é desconstruído no consultório consulta a consulta. Frases como “nossa, mas esse bebê está crescendo muito” dão a conotação subliminar de que a mulher não poderá ter parto normal. Circular de cordão, bacia estreita, feto grande, feto pequeno, pouco líquido, muito líquido, pressão arterial alta, diabetes, nada disso é indicação de cesariana. Foi se criando o conceito de que o corpo da mulher é defeituoso e requer assistência. Que ela precisa ser cortada em cima ou embaixo para poder parir!.

Um médico obstetra com 15 anos de formação, que atende a convênios e preferiu ter sua identidade preservada, confirma a fala de Jorge Kuhn.

Ele explica que com o valor irrisório pago pelos convênios (cerca de 300 reais por parto normal ou cesárea) não compensa para o profissional largar o consultório cheio ou sair de casa de madrugada para passar 10, 12 horas acompanhando um parto normal. Eu digo para as minhas pacientes logo nas primeiras consultas que se elas optarem por marcar uma cesariana eu farei, mas se optarem por um parto normal vão ter com plantonista!. Para ele, apesar das pesquisas e das indicações internacionais como a da OMS, a cesariana é a melhor opção para a mãe e o bebê. No hospital particular eu acho que acontece o real parto humanizado. Porque tem uma assistência muito maior. Com 5 para 6 cm de dilatação a gente instala a anestesia, aí a paciente já não sente dor, faz a tricotomia (raspagem dos pêlos) porque é mais higiênico, rompe a bolsa, acelera o trabalho de parto. Minha filha nasceu por cesárea, minhas sobrinhas também. Se eu achasse tão bom o parto normal teria feito. Claro que se o médico marcar a cirurgia para muito antes, o bebê pode nascer prematuro, com problemas respiratórios, pode complicar sua saúde a longo prazo. Mas no parto normal existe mais risco de asfixia e paralisia cerebral. Se você for perguntar, 90% dos filhos de médicos nascem por cesárea!.

Jorge Kuhn, que foi recentemente denunciado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro e responde a processo no CREMESP por ter declarado em um programa de televisão ser favorável ao parto domiciliar para gestantes de baixo risco, lembra que para o hospital também é muito mais lucrativo e conveniente que se façam cesarianas. Eles sabem quais são os recursos humanos e materiais que têm em vésperas de feriados, principalmente os mais prolongados, e têm os agendamentos da sala certinhos. Fazer uma cesariana em trabalho de parto resulta em maior custo para o hospital. Quando a mulher ficou tantas horas em trabalho de parto e passa para uma cesárea, isso é um problema. Uma vez eu perguntei para um gestor quanto eu custava, fazendo mais partos normais. Ele disse que o problema é quando meus partos normais viravam cesareas, porque já tinha gasto tempo e material naquele parto e gastava com a cirurgia. Mas tanto faz em termos de custo. O agendamento que facilita. Nenhum hospital no Brasil tem condições de atender partos normais como a OMS aceita, com no máximo 15% de cesarianas. Não têm estrutura física para isso, é uma formula difícil de fechar. Mas basicamente é uma tríade: comodidade dos médicos e hospitais, indiferença das mulheres e mercado. Sempre é uma questão de dinheiro!.

Ana Cristina acrescenta que quanto mais complicado for o parto, mais lucro o hospital terá. anestesia, cirurgia, drogas, antibioticos, compressas, equipamento, equipe de enfermagem. Se rolar uma UTI neonatal por dois dias, já vai mais uma boa grana, quase a de um parto. E esses equipamentos todos da UTI estão pagos, precisam ser usados para gerar lucro. A UTI custa muito caro. Então qual é o problema? à‰ que nós estamos colocando bebês para nascer em uma estrutura muito cara, que precisa se pagar!.

Para incrementar, alguns hospitais particulares oferecem alguns extras! a seus pacientes, conta Simone Diniz. Existe uma coisa chamada “janela de plasma”, que fica no centro cirúrgico e dá para um pequeno auditório anexo. à‰ uma janela opaca que fica transparente quando o bebê nasce e o médico pode apresentá-lo à  plateira. Algumas famílias fazem festas, com serviço de catering etc. Isso não pode acontecer em um parto normal, certo? Precisa ser agendado com antecedência. Aí você vê como hoje o parto fisiológico é subversivo, porque subverte toda essa lógica hospitalocêntrica!.

ALTERNATIVA SUBVERSIVA

O modelo alternativo, hoje conhecido como parto humanizado, se baseia em exemplos usados há muitos anos em países como Holanda e Alemanha, e é centrado na autonomia da mulher, pensando o parto como algo fisiológico, natural, com pouca ou nenhuma intervenção médica. O direito da mulher sobre o seu próprio parto também é uma das principais bandeiras de um movimento feminino que cresce a cada dia no Brasil, principalmente através de blogs e articulações por redes sociais.

No filme inglês Freedom For Birth, que conta a história da parteira húngara àgnes Geréb, processada criminalmente e condenada a dois anos de prisão porque, até 2011, não havia regulamentação para os profissionais que assistiam partos domiciliares, a antropóloga americana Robbie Davis-Floyd critica o modelo atual, em que o corpo da mulher é tratado como uma máquina, e o parto como um processo mecânico disfuncional, que precisa das intervenções médicas para trazer o bebê ao mundo porque não confia na fisiologia natural do parto. Em seu estudo Birth as an American rite of passage (1984)! ela lembra que o parto, até pouco tempo, era vivido como algo exclusivamente feminino e privado, com as mulheres dando a luz em suas casas amparadas por outras mulheres: parteiras, mães, amigas mais experientes. A ideia de mulher empoderada!, que escolhe onde, como e com quem quer parir, ou no mínimo opina a quais procedimentos quer ou não se submeter é o centro deste pensamento.

O parto humanizado pode acontecer em casas de parto, em casa (somente para gestantes de baixo risco) e até em salas especiais que muitos hospitais estão criando com esta finalidade. A equipe geralmente é reduzida, com uma enfermeira obstetra (ou médico que siga esta filosofia), um neonatologista e uma doula !“ profissional treinada a dar suporte físico e emocional à  mulher desde o pré-natal. Na hora do parto, a doula orienta sobre exercícios e posições, respiração e fornece um arsenal de recursos não farmacológicos para alívio dor, como massagens, bolas, óleos, exercícios e banhos. A mulher pode comer, tomar água, andar e ficar na posição que se sentir mais a vontade para parir. Cada vez mais mulheres têm optado por este modelo, mas nem todas têm acesso. Um parto domiciliar custa de 5 a 10 mil reais (somando os honorários de todos os profissionais). No hospital, além da equipe, é preciso pagar a internação em pacotes de parto, que podem custar em média mais 8 mil reais.

Apesar de em 2011 o governo federal ter lançado a Rede Cegonha, que tem como objetivo humanizar o parto e criar casas de parto normal integradas ao SUS, ainda há poucas opções e somente em grandes centros urbanos !“ até 2014, segundo o Ministério da Saúde, serão 200 em todo o país. Com pouca ou nenhuma divulgação, sobram leitos em muitas delas. A Casa de Parto de Sapopemba em São Paulo, por exemplo, referência no atendimento a gestantes de baixo risco, não só não é divulgada, como não se consegue entrevistar os profissionais que atendem na Casa. Alertada por colegas jornalistas, eu tentei entrar em contato através da assessoria de imprensa da prefeitura mas não obtive resposta, apesar da insistência. Durante a reportagem, conheci uma enfermeira obstétrica que foi demitida por ter concedido entrevista a um jornal sem autorização. Uma reserva que faz lembrar o que acontece com os programas de redução de danos !“ cala-se a respeito para evitar polêmica, ou a adesão excessiva em relação à s dimensões previstas por essas políticas públicas.

Simone Diniz conta que a própria mulher que resolve esperar o trabalho de parto é hostilizada. As pesquisas indicam que entrar em trabalho de parto aumentam muito o risco de você sofrer violência. à‰ muito interessante o grau de hostilização da mulher em trabalho de parto. No setor privado, acham o fim da picada que aquela mulher queira dar trabalho para eles. Uma mulher contou que como insistiu muito com o médico que queria parto normal, ele indicou um psicólogo dizendo que ela tinha traços masoquistas!! O Conselho Federal de Medicina é totalmente contra o parto domiciliar. Assim como os conselhos regionais que quiseram caçar o registro de Jorge Kuhn. O Conselho de Enfermagem (COFEN) também tentou por muito tempo fechar o novo curso de obstetricia da USP Leste, mas desde dezembro de 2012, o curso ganhou, através de liminar do Ministério Público, não só o direito ao funcionamento como ao registro específico no COFEN.

POR MIM VOCàŠ PODE CORTAR A MULHER EM QUATRO!¦

Essa caça à s bruxas do parto humanizado! não é exclusividade brasileira !“ vide à€gner Gereb. Jorge Kuhn conta que quando chegou ao Brasil após uma temporada aprendendo sobre parto humanizado na Alemanha, foi procurar os gestores de grandes hospitais para implantar essas técnicas de redução de cesarianas, mas que foi recebido com declarações como por mim você pode cortar a mulher em quatro desde que me entregue um bebê bom!. Ainda assim, o obstetra é otimista: O filósofo Schopenhauer dizia que toda verdade passa por três estágios: No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria. Estamos no segundo estágio!.

Outra alternativa bonita para quem procura por um parto empoderado! (no sentido de dar poder à  mulher sobre o parto) é a Casa à‚ngela, em São Paulo. Criada pela Associação Comunitária Monte Azul, a Casa de Parto, instalada na periferia da zona sul da cidade, se mantém com financiamentos de parceiros nacionais e internacionais e, desde o começo de 2012, faz uma média de 10 partos por mês, e acompanha mais de 250 mães e bebês. O nome homenageia a parteira alemã à‚ngela Gehrke, que nas décadas de 1980 e 1990, atendeu a mais de 1500 mulheres da favela Monte Azul e foi referência de parto humanizado no Brasil. à‚ngela morreu de um câncer em 2001 mas o trabalho com a comunidade foi retomado alguns anos depois.

A casa é linda, iluminada, arejada e no dia que visitei, um cheiro de bolo assando perfumava o ambiente. Nada ali lembrava o ambiente hospitalar. Anke Riedel, obstetra coordenadora do projeto, me conta que por causa da grande procura de mulheres de outras regiões e até outras cidades, a casa criou um plano de sobrevivência, no qual cobra um pequeno valor para quem não é da comunidade. O pacote padrão, que inclui o pré-natal, a triagem para fatores de risco no parto (as regras são rígidas e somente as gestantes que não apresentam riscos podem ser atendidas na casa), o parto e o acompanhamento do puerpério e do bebê por um pediatra, custa 3.500 reais, que pode ser negociado conforme as condições financeiras do casal. Como não recebemos qualquer ajuda do governo, essa foi a forma que encontramos de manter a casa e poder atender à s gestantes, além do apoio dos parceiros!. Na equipe, obstetrizes atendem à s gestantes e, em casos de urgência, a casa possui equipamento e ambulância próprios para remoções para hospitais próximos. Segundo Anke, algumas vezes estas remoções acontecem, mas nunca houve uma de urgência.

EM VEZ DE MACA E SORO, UMA LEOA COM O BEBàŠ NOS BRAà‡OS

Fui convidada a conhecer Aline, de 26 anos e seu marido Marcos, da mesma idade, moradores da comunidade que tiveram seu bebê na casa na noite anterior. Quando entrei no quarto, a primeira surpresa. Nada de maca ou soro. Apenas um casal deitado em uma cama com o bebê nos braços, com luz baixa e largos sorrisos no rosto. Aline me mostrou a pequena Sofia, que veio ao mundo sem qualquer intervenção médica ou farmacológica. Ela conta que o bebê nasceu na banheira, à  luz de velas e música ambiente, com o marido fazendo massagem e ajudando nas posições. Que se apaixonou pela Casa assim que conheceu a proposta e que durante o pré-natal, ela foi bem orientada e tratada pelo nome, ao contrário do atendimento no posto de saúde em que era uma mãezinha!.

Um nó aperta minha garganta, é impossível não fazer comparações. Marcos diz que estava orgulhoso da mulher, que mais parecia uma leoa poderosa no parto. Compara ao que já tinha visto na televisão ou nas novelas: Aquelas mulheres gritando, deitadas, aquele desespero. Nada disso aconteceu. Teve hora que a enfermeira abraçava, dava beijo na testa dela, esse afeto fez diferença. No hospital você fica vendo seu parto acontecer.! Flashes do meu parto não param de vir à  mente. Sou feliz por Aline e Marcos. E muito revoltada por mim mesma. Vendo e ouvindoessas histórias de amor, assistindo a vídeos de partos humanizados, dignos, nos quais as mulheres foram protagonistas do nascimento dos seus filhos, só posso chegar a uma conclusão: Violaram meu momento. Roubaram meu parto de mim.

* Infográficos de Emídio Pedro

Mapa da Violência obstétrica: denúncias pela internet

Depois de um parto traumático e extremamente violento e um segundo humanizado, empoderado e em casa, Isabella Rusconi e Carlos Pedro Sant”Ana criaram o Mapa da Violência Obstétrica. A ferramenta é inédita no Brasil e permite ao internauta denunciar onde e quais tipos de violência obstétrica sofreu. Acredito que um dos melhores modos de ter uma leitura real de um problema é mapeando situações, dando uma leitura gráfica do problema para facilitar a sua compreensão! explica Carlos. Embora seja um problema invisível para muita gente !”principalmente para os homens!” e silenciado por muitas mulheres !”por vergonha ou por desconhecimento de que foi vitima!” é necessário mostrar que é uma realidade agressiva no Brasil e mostrar que existem alternativas, que é necessário criar um novo sentido de respeito humano e mudar o modo como lidamos com o parto. Talvez mostrando relatos de vitimas da violência obstétrica, possamos chegar a outras mulheres que passaram por essa violência sem o saber ou sem o reconhecer, e as arrancar de sua Sindrome de Estocolmo!!¦

https://violenciaobstetrica.crowdmap.com/

VIOLàŠNCIA NO PARTO VENDE CESàREA, DIZ PESQUISADORA

Leia a entrevista com a pesquisadora Simone Diniz

Como é nascer no Brasil?

Primeiro nasce-se cada vez menos. A gente teve uma queda muito acentuada de nascimentos no Brasil. E quanto mais escolarizada e maior a renda, menor a fecundidade. No caso brasileiro, o parto é muito medicalizado e muito marcado pela hierarquia social da mulher. Para algumas questões de saúde, como para quem tem HIV, precisa de um antiretroviral ou de uma cirurgia, você tem o mesmo procedimento público e privado, existe um padrão do que é considerado como aceitável. Para o parto, não. A gente tem uma assistência ao parto que para as mulher de menor renda e escolaridade e para aquelas que o IBGE chama de pardas e negras, muito diferente do das mulheres escolarizadas, que estão no setor privado, pagantes.

Normalmente as mulheres de renda mais baixa no Brasil têm uma assistência sem nenhum direito a escolha sobre procedimentos e os serviços atendem para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência como ficar sem acompanhante. No setor público é pior, mas vamos levar em conta que no setor público 70% das mulheres nem entra em trabalho de parto. Muitas mulheres são mantida imobilizadas e recebem, em algum momento do trabalho de parto, alguma droga para induzir ou acelerar, a ocitocina sintética principalmente. O uso de ocitocina deveria ser extramente cuidadoso, porque ela tem vários efeitos adversos como, por exemplo, tornar a contração artificialmente intensa e muito dolorosa. Então as mulheres frequentemente descompensam emocionalmente. E alguns procedimentos invasivos que não deveriam ser usados, a não ser com extrema cautela, são usados livremente como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções e a ruptura da bolsa, como aceleração do parto. à‰ uma ideia de produtividade que parte do pressuposto que o parto é um evento desagradável, degradante, humilhante, repulsivo, sujo e que, portanto, deve ser encurtado.

Isso no sistema público, não é?

Sim. E quando você chega no periodo expulsivo é imobilizada deitada. Outras pesquisas mesmo antes da Nascer no Brasil! já mostraram que 90% das mulheres dão a luz imobilizadas deitadas de costas, que é uma posição que é antifisiologica, prejudica a mãe e o bebê, recebem uma manobra que empurra a barriga da mulher, sem contar a episotomia. Então mais da metade das mulheres sai com uma sutura genital, se não sair com uma abdominal. Raramente uma mulher sai do parto sem uma sutura. à‰ um parto com intervenções desnecessárias, agressivas e dolorosas, em ambientes inóspitos e vexatórios, com procedimentos e rotinas degradantes, exposição da provacidade, tratamento insensível, rude e abertamente violento como muitas mulheres têm mostrado.

E com diferenças que passam pelo gênero, condições socioeconômicas, cor da pele!¦

As questões de gênero cruzam com as questões socioeconômicas. Existe uma ideia de que o sofrimento no parto é uma punição legítima pela mulher ter transado. Isso é muito repetido. O próprio ministro da Saúde disse publicamente, mais de uma vez, que durante a formação dele, o professor fazia esse tipo de violência verbal de caráter sexual com as mulheres, aquela coisa do na hora que fez você não gritou!. Como diz o movimento feminista, parto violento para vender cesárea!. Além disso, é muito raro que um profissional, independente da formação, tenha visto um parto espontâneo, fisiológico, planejado. Ele pode ter visto um que nasceu no corredor, no taxi, mas um que tenha sido planejado para isso ele nunca estudou.

Então para esse profissional, que aprendeu que as mulheres se beneficiam dos procedimentos, essa é a ideia de assistência ao parto. Para o sistema público é um: manejado, com hormônios, etc. No setor público, as mulheres não podem escolher porque essa escolha deve ser feita com base em critérios clínicos do que é seguro e apropriado para ela. No setor privado, considerando que as mulheres são mais escolarizadas e estão pagando, elas têm direito a autonomia. à‰ uma autonomia relacionada a condição de pagante. No setor privado parte-se do mesmo pressuposto que o parto é uma coisa humilhante, primitiva, coisa de pobre, que vai danificar o períneo, que vai comprometer. à‰ muito parecido com o conceito religioso de indulgência, como você paga, a gente pode fazer um desconto no seu pecado. E aí você pode fazer um bypass do trabalho de parto. Atualmente aceita-se internacionalmente que os melhores resultados para a mãe e para o bebê são aqueles do parto fisiológico e espontâneo, que se inicia, conduz e termina sem uso de intervenções. Defendo muito ardentemente o direito de escolha das mulheres. Mas precisa ser o direito de escolha informado.

Mas qual escolha? A da via de parto ou dos procedimentos? Porque se a gente não escolhe fazer uma cirurgia para retirar o apêndice, por que deveria escolher a cesárea? Não deveria ser apenas por indicação clinica?

A escolha tem que ser informada. Não existe escolha fora do seu contexto social. Vamos dizer que você mora em uma cidade e ninguem atende parto normal. No SUS é ocitocina, episotomia, Kristeller (manobra que consiste em empurrar a barriga). Se cair em um hospital escola, sua vagina vai passar pelo toque coletivo. Qual é a alternativa? A cesárea. Não existe escolha livre nesse sentido. No Brasil, a crença mesmo nos setores academicos é que o parto vaginal é horrivel e que a cesárea é a alternativa superior. Não adianta que toda evidência mostre o contrário. Evidência de curto prazo: aumento de risco na transição fetal neonatal. Existe muito mais segurança nos partos fisiológicos do que nas cesáreas. O bebê tem menor chance de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecção !“ ele tem o melhor prognóstico de todos. No longo prazo a gente sabe que o trabalho de parto em si desempenha um papel muito importante na ativação de certos sistemas orgânicos para a transição. Como o bebê nasce estéril, livre de bactérias, à  medida que entra em contato com as bactérias da vagina durante o parto, ele será colonizado e isso desenvolverá um sistema imune muito mais saudável do que se nascer de cesárea e for contaminado por bactérias hospitalares. Esse é conhecimento recente, mas já saíram pesquisas sobre risco diferenciado de asma, diabete, obesidade e uma série de doenças crônicas na infância e no longo prazo, porque a programação metabolica da criança é altamente dependente dessa colonização. Isso é muito importante.

Quando eu falo de escolha informada é informar sobre tudo isso. E é um problema ter os profissionais como fonte de informação porque eles desconhecem esse tipo de coisa. Porque ignoram ou porque não acreditam. Não é que ele engana a mulher, o filho dele nasce de cesárea! A cesárea é um recurso muito importante em todos os sistemas de saúde materna. Mas o que a gente faz no Brasil é pessimizar o parto para vender cesárea. Existe um conflito de interesses, as pessoas não querem que o parto melhore. Eles se livraram da imprevisibilidade do parto espontâneo através da eliminação do trabalho de parto. O que eles oferecem de plus para competir entre si? A festa! Porque o parto é um momento ritual onde o lugar da mãe e do bebê são marcados socialmente. Seja paciente do SUS, solteira, pobre, não branca, trabalhadora do sexo que vai parir no amparo maternal até a mulher de classe altíssima no hospital mais elegante. O lugar que você dá a luz é um marcador desse seu lugar social. Essa ritualística pesa muito e reflete os valores que a gente quer transmitir para as próximas gerações. Os padres já diziam que para Deus manifestar seu horror ao corpo ele tinha feito as pessoas nascerem entre urina e fezes. E, veja só, esse contato bacteriano que é o bacana!

Há diferenças regionais?

Elas estão se diluindo cada vez mais. As maiores taxas de intervenção são em regiões mais ricas: sul e sudeste. Centroeste fica no meio seguida de nordeste e norte, quando você ainda tem um grande número de partos domiciliares com parteiras tradicionais.
Nos centros urbanos, o relato de violência é maior. As pessoas acreditam que isso é porque as mulheres urbanas identificam melhor essa violência e também nas comunidades menores as pessoas sabem quem é quem. A violência precisa de uma certa impessoalidade. A violência também é mais comum entre as mulheres mais pobres, menos escolarizadas, as negras e as pardas e as mulheres mais jovens. Em geral essas pessoas são mais maltratadas. à‰ como se a gente tivesse uma hierarquia de respeitabilidade materna.

Aliás o pré-natal é outro período critico de desinformação, não?

O pré-natal na década de 1980 era a coisa mais linda. Com grupos de informação, material de divulgação, cartilhas lindas, ilustradas. Desapareceu tudo. Eu acho que a gente guinou da ideia de integralidade para uma ideia de aumento de consumo de exame e medicamento. Essa atitude educativa diminui lucros e os pacientes ficam mais exigentes. à€s vezes o profissional nem tem má fé, ele realmente acredita naquilo. As pesquisas indicam que entrar em trabalho de parto aumentam muito o risco de você sofrer violência. à‰ muito interessante o grau de hostilização da mulher em trabalho de parto. Seja no SUS, por conta do conjunto de intervenções agressivas ou no setor privado porque elas acham o fim da picada que aquela mulher esteja querendo dar problema, dar trabalho para eles. Eu já ouvi uma mulher dizer que como insistiu muito com o médico que queria parto normal ele indicou um psicólogo dizendo que ela tinha traços masoquistas!

Vai acontecer essa mudança?

Só se partir das mulheres. Quando as pessoas se derem conta desses impactos sobre o bebê, creio que pode mudar.

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