Artigo de Elza Campos: “A luta pela participação política da mulher”

por Elza Maria Campos*

Elza Campos, coordenadora da União Brasileira de Mulheres.
Elza Campos, coordenadora da União Brasileira de Mulheres.
1865, corre o debate no parlamento dos EUA em uma cena do ótimo filme Lincoln!:

– Se dermos liberdade aos negros, em seguida vão querer votar!!, diz um deputado escravocrata.

– E logo depois até mulheres vão querer direito de voto também!!! Pipocam exclamações indignadas pela sala onde se debate a 13!ª. Emenda…

No começo do século XXI, os EUA já conheceram seu primeiro presidente negro e o Brasil tem sua primeira mulher presidenta da República, sucedendo a dois mandatos avançados de um ex-metalúrgico retirante nordestino.

Bastante coisa mudou no planeta desde que, na Revolução Francesa, Olímpia de Gouges redigiu uma Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne (Declaração dos direitos da mulher e da cidadã), em 1791, documento primeiro a reclamar abertamente direitos iguais para homens e mulheres. E desde que Clara Zetkin propôs, na 2!ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, a criação do Dia Internacional da Mulher em 8 de março, há 103 anos.

Economia

Estamos também no marco dos 81 anos da conquista do direito de voto à s brasileiras, demanda dos movimentos que tiveramem Bertha Lutz, fundadora da Federação pelo Progresso Feminino (1922), um dos ícones maiores. O Decreto 21.076, de 24/02/1932, assinado por Vargas, representou, para os movimentos de mulheres, o reflexo da intensa agitação mudancista que contestava a República Velha, um avanço que não poderia ficar de fora do processo revolucionário de 1930. Ainda assim, o voto era facultativo à s mulheres, só tornando-se obrigatório a partir de 1946.

A luta pela igualdade de gênero progrediu significativamente na sociedade brasileira, tendo por pano de fundo todas as mudanças estruturais e batalhas dos movimentos de mulheres ao longo do século XX. Especial destaque à  década de 1960, que introduziu questões antes restritas à  esfera da vida privada, trazendo ao debate público temas como sexualidade e corpo feminino. Esse movimento também lutava por liberdades democráticas num país em que elas estavam constrangidas pela ditadura militar instalada em 1964.

Em todo este processo, o movimento feminista contribuiu para a inclusão da questão de gênero na agenda pública, nos debates na academia, nas lutas sociais como uma das desigualdades a serem superadas por um Estado laico e democrático, portanto para a formulação de propostas de políticas públicas que contemplassem a questão da mulher.

Sob impacto desses movimentos, na década de 1980 foram implantadas as primeiras políticas públicas com recorte de gênero. Tal é o caso da criação do primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1983, e da primeira Delegacia de Defesa da Mulher, em 1985, ambos no estado de São Paulo. Essas instituições se disseminaram a seguir por todo o país. Ainda em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná. Foi também a mobilização de mulheres que levou à  instituição do Programa de Assistência Integral à  Saúde da Mulher (PAISM), em 1983. Findo o ciclo autoritário militar, no movimento pela nova Constituição em 1986-88, assomou com força a palavra-de-ordem Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher!, materializado em iniciativas apresentadas aos constituintes como a Carta das Mulheres Brasileiras, que incluía temas relativos à  saúde, família, trabalho violência, discriminação, cultura e propriedade da terra.

Passada a década perdida dos anos 1990, em que o Brasil penou sob o receituário neoliberal, o começo do novo milênio reabriu esperanças. Ampliou-se o avanço no legislativo, embora ainda com pequeno número de mulheres sensibilizadas com as lutas dos movimentos. Depois da 1!ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2004, marco significativo foi a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres no primeiro mandato de Lula. A última Conferência de Políticas para as Mulheres (a 3!ª) reuniu 300 mil participantes.

Em Curitiba, como reconhecimento das pressões dos movimentos de mulheres sobre os dois principais candidatos à  prefeitura em 2012, efetivou-se este ano a criação da Secretaria Municipal da Mulher. Os movimentos de mulheres esperam que esta nova Secretaria saiba canalizar as demandas dos movimentos e, democraticamente, possa ser formuladora de novas políticas públicas que façam o enfrentamento da violência sofrida por mulheres e de promoção da igualdade de gênero.

Mas este 8 de março de 2013 será marcado também pela comoção e dor das mulheres, junto ao povo venezuelano, pela perda do Presidente Hugo Chaves Frias, entendendo que seu legado e história de luta por uma América Latina livre, solidária e socialista, servem de exemplo para todas as mulheres brasileiras.

As conquistas democráticas e sociais das mulheres, assim entendemos, devem contribuir para melhorar a posição do Brasil no cenário mundial. Em um ranking que avalia a participação por gênero em 146 países preparado pela União Interparlamentar, o Brasil ainda ocupa um modesto 110!º. lugar, atrás de nações como Togo, Eslovenia e Serra Leoa, embora sejamos 51,7% do eleitorado. Nas eleições de 2012, em que pese o crescimento de eleitas se comparado com 2008, as mulheres ocupam 12,03% das prefeituras de todo o país.

à‰ preciso intensificar o poder político das mulheres nas mais diversas esferas de decisão: na universidade, nos partidos políticos, na gestão pública, nas casas legislativas, no poder judiciário, nas entidades e movimentos sociais. Há que aumentar a participação das mulheres na esfera pública, em condições de influenciar nas decisões da agenda de um novo projeto nacional de desenvolvimento. à‰ necessário superar a subrepresentação política das mulheres. Isto requer a efetivação de uma reforma política progressista, que determine o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais (reduzindo influência do poder econômico), a manutenção das coligações proporcionais, a lista fechada de partido com alternância de gênero (fortalecendo o voto no partido/proposta e não no indivíduo). Além disso, o cumprimento da lei que garante a cota de 30% para candidaturas femininas, a aplicação de 5% do fundo partidário para formação política das mulheres como forma de favorecer o ingresso e melhores condições de disputa para as candidaturas femininas e 10% do tempo de TV.

*Elza Campos é assistente social, Coordenadora Nacional da União Brasileira de Mulheres, Vice-Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná e professora da Unibrasil.

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