Clarín avança sobre imprensa independente da Argentina

por Aline Gatto Boueri, correspondente do Brasil 247 em Buenos Aires

à€s vésperas do “7D”, prazo para que conglomerados de comunicação da Argentina se adequem à  Lei de Meios, revistas independentes, distribuidores e jornaleiros se unem para evitar o monopólio do Grupo Clarín sobre o mercado de mídia impressa; nesta sexta, a presidente argentina Cristina Kirchner se encontra com Dilma na Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul; reportagem de Aline Gatto Boueri, correspondente do 247 em Buenos Aires.
Com a possibilidade de perder grande parte de suas licenças para operar em rádio e TV, o Grupo Clarín avança sobre o mercado de edição e distribuição de revistas, jornais e livros. Sem um marco regulatório, a mídia impressa, principalmente as revistas independentes, junto a jornaleiros e distribuidores denunciam que o grupo está perto de constituir um novo monopólio para operar no mercado de edição e distribuição, gerando pressões sobre veículos que não fazem parte de sua empresa.

Desde a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (a Lei de Meios), os grandes jornais argentinos travam uma batalha ideológica em suas páginas. A polarização entre quem está com o governo e quem está com o Clarín simplifica o debate e gera a radicalização dos argumentos para ambos lados. Quem compra publicações tradiconais compra grandes panfletos.

Todas as coberturas de temas relacionados ao governo de Cristina Fernández de Kirchner são carregadas de elogios incondicionais ou detrações violentas. A disputa acirrada faz com que os grandes jornais tenham cada vez menos credibilidade e aprofunda a sensação de “crise da imprensa”, que é hoje justificativa para demissões e precarização do trabalho de jornalistas.

Em meio ao cenário decadente da mídia tradicional, o jornalismo idependente !“ de verdade !“ emerge como uma alternativa para quem busca informação confiável e de qualidade. Trata temas que os meios oficialistas e opositores esquivam sem muito pudor, como a extração de minério a céu aberto no interior do país, a repressão a povos indígenas, o modelo agroexportador baseado na produção de soja e a crescente participação de multinacionais como a Monsanto na produção agrícola argentina.

Revistas independentes sob pressão

Economia

Sem rabo preso, muitos dos mais de 250 veículos agrupados na Associação de Revistas Culturais Independentes da Argentina (Arecia) reclamam uma legislação específica para o setor antes que seja devorado pelo Grupo Clarín, com o risco de desaparecimento de revistas como a irreverente THC, a primeira revista latino-americana sobre maconha, ou da provocativa Revista MU, da cooperativa editorial lavaca, que há seis anos leva à s bancas jornalismo investigativo sobre temas que são tabu na grande imprensa.

Em entrevista ao Brasil 247, Claudia Acuà±a, editora da MU, conta que durante a década de 1990, quando a Argentina sofreu profundas reformas neoliberais implementadas durante os dez anos do governo de Carlos Menem (1989-1999), o mercado de veículos impressos se concentrou nas mãos das grandes empresas, principalmente do Grupo Clarín e La Nación. Ambos são também acionistas !“ junto com o Estado !“ da empresa Papel Prensa, que controla a produção de papel-jornal na Argentina e, em última instância, define quanto se paga por imprimir um meio de comunicação no país.

Para revistas que se editam com pouco dinheiro e sem o catálogo de publicidade que têm os grandes meios de comunicação, o monopólio de papel por parte dos maiores competidores já seria desleal. Mas Claudia denuncia que o Grupo Clarín, com a possibilidade de perder concessões de rádio e TV a partir de amanhã, começou a avançar sobre a distribuição e venda de jornais e revistas, também de forma desleal.

Clarín fabrica dívidas para comprar distribuidoras

“Vou te contar uma história real, que aconteceu no ano passado. O Grupo Clarín entregou exemplares junto com sachês de shampoo. Os sachê estouraram. Como esses exemplares estavam deteriorados e não podiam ser vendidos, o distribuidor teve que pagá-los. à‰ desse jeito que operam, fabricam dívidas e obrigam as distribuidoras a vender seu percurso por quase nada. As distribuidoras que o Clarín comprou não comprou com dinheiro, comprou perdoando dívidas”, relata.

As revistas independentes denunciam que a Associação Argentina de Editores de Revista (AAER), cujos sócios representam 85% da circulação de revistas na Argentina, fechou um acordo com jornaleiros e distribuidores, pelo qual paga $2 pesos (R$0,87) a mais por cada exemplar de suas publicações durante 6 meses.

“Como publicações independentes não podemos absorver isso. Se aplicarmos esse acordo, teremos que aumentar 50% nosso preço de capa, e perder competitividade”, avalia Claudia. A editora da MU conta que a AAER é dona de 30% do centro de distribuição de revistas, controlado pelo Grupo Clarín.

“Acreditamos, inclusive, que esse acordo foi pago pelo Clarín. Quem pode colocar todo esse dinheiro na mesa antes de 7 de dezembro?”, acusa Claudia. Ao injetar dinheiro nos circuitos de distribuição e venda, a AAER faz com que o preço que as publicações menores pagam por revista vendida seja muito inferior ao que o jornal Clarín, que aos sábados sai com 60% de conteúdo publicitário, paga apenas para ser exibido nas bancas. “Pagar um preço fixo por jornal exibido é a forma que encontraram para que valha mais a pena para o jornaleiro exibir o Clarín que vender as nossas revistas. O problema é que nós existimos porque vendemos, não porque temos grandes anunciantes”, dispara a responsável pela edição da MU.

Em um seminário sobre distribuição ditado na quarta-feira (05/12) pela Sociedade de Distribuidores de Jornais e Revistas (SDDRA, pela sigla em espanhol), representantes do órgão afirmaram que ficam com 7% do preço de capa de cada publicação, enquanto o vendedor ganha 33% e o agente !“ intermediário entre ao editor e o distribuidor !“ fica com entre 5% e 15% do preço.

Clarín também busca monopolizar mercado de livros

“O que o Clarín fez? Comprou transporte e bancas de jornal e conformou um sistema integral. Edita, transporta e exibe. E não paga nada no caminho”, reclama Claudia. O Grupo Clarín avançou também sobre o mercado de livros, com a compra a Livraria Cúspide, que também é uma das distribuidoras mais importantes do país.

“São 23 livrarias próprias e distribuem a outras 300 em todo o país. Antes nos pediam uma edição completa do livro ‘Argentina Originária’, por exemplo, que são 3 mil exemplares. O Clarín deixou de comprar e passamos de 3 mil a zero. Esse é um panorama monopólico. à‰ o pensamento napoleônico do Clarín: eu decido quem vende e quem não”, alerta Caludia.

O monopólio afeta todos os integrantes da cadeia de produção e venda de mídia impressa, o que terminou por gerar uma aliança entre quem até poucos anos tinha uma relação conflituosa. “Os membros da SDDRA são os donos da distribuição na Argentina. Foram responsáveis pela glória de algumas publicações e pela desgraça de outras, mas não são muito amigos dos monopólios e é isso o que nos une. O espanto”, reconhece a editora da Revista MU.

Não é a primeira vez que a Argentina testemunha um cenário de “crise da imprensa.” Em 2001, quando o país quebrou, 68% dos veículos impressos desapareceram. Mesmo assim, pouco mais de uma década depois, ainda é possível encontrar muitas publicações independentes em bancas de jornal.

Claudia explica por que o Grupo Clarín, o mais poderoso conglomerado midiático da Argentina, tenta agora avançar sobre um mercado declarado em crise. “Somos a prova de que o motivo pelo qual as pessoas não compram jornais e revistas tradicionais não é uma suposta ‘crise’, mas sim porque mentem. Nós demonstramos que quando uma revista não mente, as pessoas compram.”

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