Para professores da UFPR, “gestores da SEED não entendem nada de educação pública”

Professores dizem que Arns e Meroujy não entendem de educação pública.
Caro Esmael, encaminho para publicação em seu blog, se julgar importante, esta análise feita por professores da UFPR e Educação Básica sobre os índices do IDEB no Estado e sobre as declarações infundadas da Superintendente da Educação [Meroujy Cavet].

Abaixo o link do Núcleo de Estudos sobre o Ensino da Filosofia, fonte da publicação o texto.

Creio que o texto mostra, entre outras coisas, que os gestores da SEED não entendem nada de educação pública.

Att.
Ademir Mendes
Professor de Filosofia e doutorando em Educação na UFPR.

Manifesto do coletivo do NESEF/UFPR sobre o resultado Ideb do Paraná

POSICIONAMENTO DOS EDUCADORES E PESQUISADORES DO COLETIVO DO NESEF/UFPR[i] SOBRE AS DECLARAà‡à•ES DA SEED EM RELAà‡àƒO AO RESULTADO DO IDEB DO PARANà !“ 2012

Economia

Nós, educadores e pesquisadores da Educação Básica, vimos manifestar nossa preocupação em relação à  forma como a Secretaria de Educação do Estado do Paraná (SEED) avaliou os resultados do IDEB do Paraná divulgados pelo MEC, especialmente no que se refere ao Ensino Médio.

Recentemente em entrevista na imprensa a SEED divulgou nota manifestando sua preocupação sobre as quedas no àndice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no Paraná. Segundo o governo, a culpa se deve ao fato de que: […] No Ensino Médio foi implantada pela Gestão da Secretaria, em 2009, a redução da carga horária na grade curricular semanal das escolas da rede estadual de ensino, das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, passando de quatro para três aulas e, em algumas situações, para duas aulas. Esta situação está sendo revista atualmente pela Secretaria!. (disponível em: http://www.nre.seed.pr.gov.br/goioere/modules/noticias/article.php?storyid=967).

Compreendemos que, ao discutir os índices do IDEB e propor qualquer alteração curricular ou estrutural no âmbito da organização do Ensino Médio, é necessário antes considerar o disposto no Capítulo II da Resolução N!º 2, de 30 de Janeiro de 2012, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, ou seja, define a concepção de educação e formação dos sujeitos na etapa final da Educação Básica como direito subjetivo. Esta concepção também presente na Constituição Federal desde 2009 (Emenda Constitucional n!º 59/2009) implica na obrigatoriedade da oferta pública, gratuita e com qualidade social do Ensino Médio pelo Estado, além de um compromisso de toda a sociedade no sentido da garantia desse direito constitucional. Em linhas gerais, as mencionadas Diretrizes Nacionais estabelecem como metas da etapa final da Educação Básica a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática. O Ensino Médio em todas as suas formas de oferta e organização baseia-se em: formação integral do estudante; trabalho e pesquisa como princípios educativos e pedagógicos, respectivamente; educação em direitos humanos como princípio nacional norteador; sustentabilidade ambiental como meta universal; indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem; integração de conhecimentos gerais e, quando for o caso, técnico-profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade e da contextualização; reconhecimento e aceitação da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, das formas de produção, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes; integração entre educação e as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular. E acrescenta que o currículo é conceituado como a proposta de ação educativa constituída pela seleção de conhecimentos construídos pela sociedade, expressando-se por práticas escolares que se desdobram em torno de conhecimentos relevantes e pertinentes, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades e condições cognitivas e sócioafetivas. O que se pode depreender desta legislação é que a formação do sujeito do Ensino Médio exige um corpus de conhecimentos e práticas que estão para muito além da responsabilidade que as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática assumem no currículo escolar. Embora estas também se configurem como fundamentais no processo de formação do jovem, é necessário pensar no conjunto de disciplinas que compõem o currículo escolar e na equidade destas na matriz curricular.

Afirmar categoricamente que a queda dos índices do IDEB no Ensino Médio Paraná tem a ver apenas com a redução da carga horária de duas disciplinas é, no mínimo, desconsiderar os reais fatores que, historicamente, vêm contribuindo para essa queda: as condições infraestruturais das escolas públicas, a acentuada precarização do trabalho docente e falta de investimento na formação inicial e continuada do professor. Atribuir à s disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática uma responsabilidade quase que absoluta na formação dos estudantes, contraria, em grande medida, o espírito da Resolução citada.

Primeiramente, é preciso esclarecer que o IDEB é o resultado do fluxo (permanência, aprovação, repetência e evasão) de alunos nas escolas e de seu desempenho em avaliações nacionais (PROVA BRASIL). O desempenho dos alunos da rede estadual, tanto em Língua Portuguesa, quanto em Matemática foram de 243,2 e 251,9 no Ensino Fundamental, e 263,3 e 271,4, no Ensino Médio, respectivamente, de um total de 350 pontos possíveis. Desta forma, a redução da carga horária de Língua Portuguesa e Matemática, por si só, não pode ser apontada como a responsável por tal queda. Há que se considerar ainda os índices de reprovação e evasão que, segundo dados do IBGE/2010, foram de 18,4% no Ensino Médio e de 16,5% no Ensino Fundamental. Além disso, é preciso enfatizar que os indicadores sócioeducacionais também influenciam no resultado final do IDEB, como, por exemplo, a presença ou não nas escolas de bibliotecas, laboratórios de informática, número de servidores etc.

Outro ponto que se deve considerar ao auferir as curvas dos indicadores de desempenho no Ensino Médio pelo IDEB refere-se a que nesta Etapa a avaliação, diferente do Ensino Fundamental que é censitária, é feita por amostragem, daí a impossibilidade de se estabelecer o índice por escola. Logo a afirmação de que o baixo desempenho se deva tão somente a diminuição de aulas de Língua Portuguesa e Matemática, torna-se ainda mais questionável, simplesmente porque não há meios de comprovar esta afirmação. Ao contrário, é sabido e comprovado pelos números, que a avaliação realizada por adesão pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) vem demonstrando uma melhora importante no desempenho global dos alunos da rede pública estadual, restando, no entanto, a necessidade de políticas educacionais sólidas, capazes de diminuir os percentuais de evasão. Ademais, num momento em que a metodologia de cálculo do IDEB está prestes a alterar-se para o ano de 2013, conforme determinação do MEC, a alteração de matrizes não faria sentido, uma vez que os dados têm sido, sim, positivos, embora atualmente não possam ser aquilatados por escola.

Ao mesmo tempo, esta constatação é infundada, pois, além de não fazer uma avaliação correta do problema, ignora a importância das demais disciplinas, além da Língua Portuguesa e Matemática, que também trabalham com o desenvolvimento da capacidade de leitura, interpretação (Filosofia, Sociologia, História e Geografia) e cálculo (Física, Química). Trata-se de ser uma constatação! típica de gestores que estão mais preocupados com estatísticas do que com a qualidade do processo ensino-aprendizagem. Desta forma, responsabilizar unicamente o trabalho dos professores em sala de aula e o desempenho dos alunos nas avaliações nacionais (de larga escala), sem considerar as contradições que subjazem aos processos mais amplos do modelo econômico e de gestão vigente, é, no mínimo, uma conclusão apressada que necessita de um exame mais cuidadoso e acurado.

Propor a alteração da matriz curricular do Ensino Médio a partir de um diagnóstico mal elaborado não condiz com as práticas pedagógicas e decisões administrativas democráticas e transparentes. Entendemos que o currículo dever ser pensado e repensado com toda comunidade escolar à  luz das orientações e determinações tanto do Parecer 05/2011 como a Resolução 02/2012, para garantir uma visão de sujeito/cidadão e de uma educação pública de qualidade. Mas, a reorganização da matriz curricular não pode partir de um erro de raciocínio, supondo que o simples aumento das aulas de Língua Portuguesa e de Matemática se traduza numa melhora educacional!. Tal raciocínio não se sustenta ao analisarmos, por exemplo, a matriz de referência do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em que na prova de redação, além do domínio da língua padrão, o candidato deve utilizar conhecimentos de Filosofia, Sociologia, História e Geografia a fim de realizar uma ampla análise do tema proposto nas redações. Reafirma-se que os dados apontam para uma melhora do desempenho no ENEM, mesmo diante de condições concretas insuficientes, o que contraria a afirmação de que o problema se deve ao número de aulas.

Aumentar a carga horária de duas ou mais disciplinas, sem ampliar o número de aulas da matriz curricular, significa a diminuição da carga horária de outras ou, até mesmo, a exclusão. Todas as disciplinas que hoje compõem o currículo de Ensino Médio das escolas públicas do Estado do Paraná, com as respectivas cargas horárias semanais, são fundamentais para que se alcancem os objetivos propostos na Resolução 02/2012.

Compreendemos que a política de gestão assumida pelo atual governo tem grande responsabilidade sobre a queda do IDEB, na medida em que: 1) Mantêm salas de aula superlotadas e em condições precárias de trabalho; 2) Adota uma política equivocada de fechamento e junção de turmas, colocando um número excessivo de alunos em uma mesma sala de aula; 3) Permite que professores PSS e QPM sem formação específica ou habilitados em outras áreas do conhecimento, deem aula de diversas disciplinas que não a de sua formação, para fazer de conta que o quadro de professores das escolas está completo; 4) Tem diminuído o número de funcionários e equipes pedagógicas nas escolas, tumultuando o ambiente escolar e precarizando o atendimento dos alunos; 5) Não tem um projeto de formação continuada e, quando oferta curso de formação, estes, quase sempre, são de baixa qualidade; 6) Realiza Semanas Pedagógicas de baixa qualidade formativa; 7) Não respeita o calendário de implantação da Lei do Piso Salarial Nacional do Magistério retroativo a janeiro de 2012, nem os 33% de hora atividade, desrespeitando a lei e a comunidade escolar; 8) No momento em que lutamos por redução de jornada em sala com aumento da hora atividade, o governo aprova resolução que permite ao professor trabalhar até 60 horas semanais; 9) A crescente condição de violência e indisciplina na escola à  qual estão submetidos todos os dias professores e alunos, tornando impossível a realização do trabalho pedagógico; 10) Vêm realizando consultas públicas online, sem critérios objetivos de cientificidade e transparência, a fim de justificar a implementação de um plano de metas para a educação, evitando o debate aberto com os educadores. São essas algumas das situações objetivas com as quais se defrontam os educadores e estudantes no Paraná e que desaparecem da análise! da SEED.

Compreendemos que se faz necessária uma análise mais cuidadosa, criteriosa, responsável e séria do problema, para que o mesmo seja efetivamente diagnosticado e enfrentado. Se, se quiser pensar efetivamente em melhorar a aprendizagem dos alunos, não só para atingir bons índices estatísticos, mas lhes garantir um direito constitucional à  educação de qualidade, algumas medidas urgentes se fazem necessárias: 1) Manutenção do mínimo de duas aulas semanais para todas as disciplinas do Currículo Escolar como condição mínima para realização do trabalho pedagógico de qualidade; 2) Ampliação da carga horária da matriz curricular do Ensino Médio !“ sexta aula ou terminalidade em 04 anos para que assim seja possível ampliar a oferta de Língua Portuguesa e Matemática para 04 aulas semanais, como já ocorre no Colégio Estadual do Paraná-Curitiba; 3) Redução do número de alunos por turma em sala de aula; 4) Implantação imediata e retroativa da Lei do Piso Salarial Nacional do Magistério e 33% de hora atividade; 5) Desenvolvimento de Programas de formação continuada de qualidade para professores e demais trabalhadores em educação; 6) Revisão do porte das escolas de acordo com suas reais necessidades educacionais; 7) Reformulação da Resolução para distribuição de aulas, para que somente professores habilitados e licenciados possam ministrar as diferentes disciplinas; 8) Ampliação da jornada escolar em direção à  consolidação de uma Escola em Tempo Integral e que vise uma formação integral como direito subjetivo e inalienável do cidadão. 9) Realização ampla de concursos públicos para suprir professores licenciados em todas as disciplinas da Educação Básica e demais educadores; e, 10) Investimento na infraestrutura das escolas, bem como, em novas tecnologias educacionais.

Curitiba, 22 de agosto de 2012.

[i] Participam do Coletivo do NESEF/UFPR professores de Filosofia da Educação Básica e do Ensino Superior, representantes de entidades sindicais (APP-Sindicato), representantes do IFIL, acadêmicos de Filosofia e mestrandos e doutorandos do PPGE/UFPR.

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