Na CPI, delegado complica Gurgel e sua mulher

via blog do Josias de Souza

Delegado Alexandre Marques de Souza. Foto: Fabio Pozze.
O depoimento do delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Marques Souza à  CPI do Cachoeira complicou a situação do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Arrastou para o epicentro do caso também a mulher de Gurgel, a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques.

Responsável pelo inquérito que desaguou na Operação Vegas, o delegado Raul falou aos membros da CPI em sessão secreta. Disse que a investigação revelou o envolvimento de congressistas com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. Citou três nomes: o senador Demóstenes Torres (-ex-DEM-GO) e os deputados Carlos Leréia (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO).

O inquérito corria em Anápolis, uma das bases operacionais da quadrilha de Cachoeira. Como parlamentares só podem ser investigados com autorização do STF, o juiz titular da Vara da Justiça Federal da cidade goiana decidiu enviar os autos para a Procuradoria-Geral da República. O processo chegou a Brasília em 15 de setembro de 2009.

Raul relatou aos membros da CPI que, em outubro de 2009, um mês depois do envio do papelório, recebeu um telefonema da subprocuradora-geral Cláudia Marques. Ela o chamou à  sede da Procuradoria. Foi obedecida. Na conversa com o delegado, a mulher de Roberto Gurgel informou que, após folhear o inquérito, não detectara indícios suficientes para denunciar Demóstenes e os deputados ao STF.

Nesse ponto, os relatos dos parlamentares que participaram da inquirição sofrem um ruído. O blog ouviu quatro membros da CPI. Um disse que a conclusão sobre a precariedade das provas foi de Cláudia. Três afirmaram que, na versão recolhida de Raul, a subprocuradora apenas repassou ao delegado a avaliação do marido. O próprio Gurgel teria optado por brecar a investigação.

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Afora essa divergência pontual, os relatos sobre o depoimento do delegado coincidem no essencial: após repassar verbalmente a avaliação da Procuradoria ao delegado, Cláudia informou que a decisão quanto ao que fazer seria formalizada por escrito. Algo que, segundo Raul, jamais ocorreu. Na prática, o inquérito parou sem que o procurador-geral tenha levado aos autos um documento que expressasse sua posição .

Só em março de 2012, Gurgel tomou providências contra Demóstenes, requisitando a abertura de inquérito contra ele no STF. Posteriormente, a pedido do procurador-geral, o inquérito foi desmembrado. E os deputados passaram a ser investigados em processos separados. As manifestações do delegado provocaram um efeito instantâneo.

Antes, apenas Fernando Collor (PTB-AL) e a bancada do PT defendiam explicitamente a convocação de Gurgel para prestar esclarecimentos à  CPI. Depois da sessão, parte dos congressistas que representam a oposição no colegiado passou a considerar que o procurador-geral precisa explicar por que manteve a Operação Vegas engavetada por três anos.

Ainda não há um consenso sobre a conveniência de convocar Gurgel. Mas inaugurou-se um movimento que pode resultar na convocação da mulher dele. Disseminou-se na CPI a avaliação segundo a qual a inação da Procuradoria não condiz com a cartilha do Ministério Público Federal. Se achavam que os indícios eram fracos, Gurgel e Cláudia tinham dois caminhos a seguir.

Num, mandariam o inquérito ao arquivo. Noutro, requisitariam diligências complementares à  Polícia Federal. De acordo com o relato do delegado, nenhuma das duas providências foi adotada. Passada a conversa com a mulher de Gurgel, a Procuradoria silenciou. E a investigação morreu.

Perguntou-se a Raul se a Operação Monte Carlo, deflagrada em fevereiro de 2012, foi uma resposta da Polícia Federal à  inoperância do procurador-geral. Ele disse que não. Explicou que a segunda operação nasceu da necessidade de investigar a quadrilha noutra praça, a cidade de Goiânia. Como o alvo do inquérito era Cachoeira, as escutas telefônicas pilharam os mesmos personagens.

Lotado no Núcleo de Inteligência da Superintendência da PF em Goiás, Raul fez uma exposição técnica. Primeiro, leu um texto preparado com antecedência. Coisa de três páginas e meia. Depois, foi crivado de perguntas. Em vários momentos os inquiridores tentaram arrancar de Raul um juízo sobre a atitude de Gurgel e da mulher. Mas o delegado fugiu dos adjetivos. Limitou-se a relatar os fatos colecionados no inquérito que presidiu. A frieza do depoente foi compensada pelo calor das confirmações.

O delegado confirmou que, já na operação concluída em 2009, ficaram evidenciados os liames da quadrilha de Cachoeira com os políticos e com a Delta Construções. Explicou que, na origem, a investigação destinava-se a apurar a suspeita de vazamentos na própria Polícia Federal.

Segundo Raul, a suspeita foi potencializada numa ação que a PF organizara para apreender máquinas de caça-níquel na cidade de Anápolis. Ao chegar no local em que os equipamentos seriam confiscados, os agentes encontraram um recinto vazio. Avisada, a turma de Cachoeira sumira com as máquinas.

As evidências de que a PF precisava lançar uma lupa sobre suas próprias engrenagens tornaram-se ainda mais claras depois que um delegado federal, Tales Machado, foi abordado por um dos operadores de Cachoeira, Rogério Diniz. Os dois haviam frequentado a mesma escola. Encontraram-se numa festa.

O comparsa de Cachoeira convidou o ex-colega de escola a colaborar com a quadrilha. Em troca, Cachoeira oferecia remuneração mensal de R$ 15 mil. O delegado denunciou a abordagem. E a PF obteve autorização judicial para grampear Cachoeira e o preposto Rogério. As primeiras escutas captaram diálogos inóspitos.

Súbito, Cachoeira cometeu um erro. Comunicou-se com Rogério usando um celular cujo número a PF desconhecia. Era um dos 15 aparelhos de rádio Nextel que o bicheiro adquirira nos EUA para comunicar-se com os integrantes do seu grupo sem o risco de grampeamento. Acionada, a Justiça autorizou a PF a escutar também o novo número de Cachoeira. E a rede que interligava o seleto clube do Nextel! foi varejada.

Desde então, a PF passou a colecionar os diálogos tóxicos que hoje pululam nas manchetes e nos telejornais. Boa parte dessas conversas constam dos relatórios da Operação Vegas, aquela interrompida em 2009. Em entrevistas e numa nota oficial, sem fazer menção à  participação da mulher Cláudia, Gurgel alegou que sobrestou o inquérito à  espera do aprofundamento das investigações.

Os parlamentares que ouviram o delegado Raul ficaram com a sensação de que a explicação do procurador-geral não faz nexo. Primeiro porque ele não requisitou as tais diligências complementares. Segundo porque Gurgel precisaria ser vidente para saber que, em 2012, a PF deflagraria uma segunda operação, a Monte Carlo, que converteria o engavetamento da primeira, a Vegas, em algo esquisito.

Quando Gurgel decidiu agir, em março de 2012, Cachoeira já havia se convertido em escândalo nacional. O engavetamento de 2009 também já havia escalado o noticiário. De resto, o procurador-geral incluiu na petição que remeteu ao STF duas dezenas de diálogos telefônicos captados na primeira opração !“aquela que a Procuradoria tachara de insubsistente três anos antes.

Nos próximos dias, a CPI terá de decidir o que fazer para obter explicações adicionais de Gurgel. A oposição planejara servir de escudo para o procurador-geral. Alegava-se que o PT alvejava Gurgel com o objetivo de enfraquecê-lo à s vésperas do julgamento do processo do mensalão. O que não deixa de ser verdadeiro.

O problema é que o depoimento do delegado Raul como que condenou Gurgel a prover novas explicações. Ele alega que não pode depor na CPI, sob pena de ficar impedido de atuar nos processos do Cachoeiragate. A subprocuradora Cláudia não atua nesses processos. Daí a articulação para levar a mulher de Gurgel ao banco da CPI.

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