Em Doutor Ulysses (PR), não há agência bancária e hospital

do Valor

Lindamir Carvalho e Eloir Leal, ambos analfabetos, moram com os seis filhos menores de idade em uma casa de três cômodos, à  beira de um barranco na estrada que leva a Doutor Ulysses, um dos municípios mais pobres do Paraná. Dos seus 6 mil moradores, 49,9% são considerados pobres. A casa da família foi construída com madeira usada, doada por um vereador. “Fazemos nossa precisão ali no mato e tomamos banho em um cano que vem com água de poço”, conta Lindamir, sobre a falta de banheiro.

A família não tem energia elétrica, televisão e geladeira, e usa fogão a lenha para cozinhar. Dias atrás, o casal estava com as crianças, colhendo laranja em uma área próxima, e recebeu advertência de representantes do Ministério do Trabalho. “Me colocaram para estudar o dia inteiro”, reclama a filha mais velha, 14 anos. Os dois plantam feijão, milho e arroz no terreno no fundo da casa, para consumo próprio, e recebem R$ 230 do Bolsa Família. “Passamos apertado. Falta comida salgada. Vivemos na miséria”, diz Lindamir, que tem 29 anos e está com depressão.

Doutor Ulysses fica a 130 quilômetros da capital. Para chegar lá, é preciso andar 50 quilômetros em estrada de pista simples, cheia de curvas e sem acostamento. Depois, atravessar o rio Ribeira com balsa, porque a ponte caiu em agosto (outra está em construção) e continuar mais 50 quilômetros em estrada de terra. “Nossa maior dificuldade é de acesso”, afirma o prefeito, Josiel dos Santos, operador de máquinas eleito no ano passado, depois da cassação do prefeito anterior, por compra de votos.

Doutor Ulysses é uma das cinco cidades do Paraná ainda sem acesso por estrada asfaltada. Não tem hospital e, todo dia, um ônibus com 22 pacientes sai à s 3 horas da madrugada para chegar à s 7 horas em Curitiba. Nem parto é feito lá. O cartório só funciona uma vez por semana. Não há agência bancária, apenas um caixa eletrônico.

Desde o começo do ano, começou a funcionar na cidade uma lotérica, onde é pago o Bolsa Família. A folha de pagamento do benefício somou R$ 107 mil em setembro e beneficiou 867 famílias. “Não concordo com esses dados sobre pobreza. Há gente que ganha mais e não declara por medo de perder o dinheiro do governo”, diz o prefeito, que reclama da inadimplência de 50% no pagamento de IPTU.

Economia

A palavra miséria não é bem aceita. “Aqui tem miséria, não miserável”, diz o prefeito. “Não gosto da palavra, porque machuca a pessoa, é humilhante.” Edineia e Valdecir de Almeida não trabalham e vivem com cinco filhos em quatro peças. Eles dizem que são doentes e, para economizar na conta de luz, lavam roupa e tomam banho no rio que passa no fundo do quintal. “Somos pobres. Miserável fica ruim”, diz ela. O casal recebe R$ 204 do Bolsa Família e três filhos almoçam em um projeto da prefeitura, onde 82 crianças podem fazer teatro, dança, esportes, artesanato, fora do horário de aula.

Outra que depende de ajuda do governo é Marli de Jesus da Silva, mãe de 11 filhos e sem marido. Seis moram com ela em uma área rural. O mais velho, Ademar, de 17 anos, diz que tem problemas de saúde e reclama da situação. “Aqui vivemos mais do que na miséria. à€s vezes deixamos de comer para dar para os pequenos”, conta. Cinco crianças estudam e almoçam na cidade. “No feriado, não sei o que faço”, diz Marli, sobre os dias em que os filhos fazem refeições em casa.

Se depender da vontade das crianças, contudo, os dias de estudo estão contados. “Queria trabalhar”, reclama um dos meninos, de 14 anos. “Sei roçar, carpir”, responde, ao ser questionado sobre o que poderia fazer. O garoto diz que já está acostumado a comer sem carne e que não precisa mais estudar. “Sei ler e escrever.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *