Manfredini conta a vida e obra de Wilson Bueno em “A pulsão pela escrita”

O jornalista e escritor Luiz Manfredini está lançando, pelos canais da internet, o livro “A pulsão pela escrita”, biografia do também jornalista e escritor paranaense Wilson Bueno, assassinado aos 61 anos de idade em Curitiba, em 2010. Autor de mais de 15 livros, entre crônicas, romances e poesia, Bueno foi uma das vozes mais significativas e fascinantes da literatura brasileira contemporânea. Um dos destaques de sua carreira foi a direção do jornal Nicolau, editado pela Secretaria da Cultura do Paraná entre 1987 e 1995, e considerado o melhor jornal cultural brasileiro da época.

“A pulsão pela escrita” não é apenas uma boa história, escreve o poeta Hamilton Faria na apresentação da biografia, “mas uma narrativa emocionante, plena de conflitos humanos, em que Luiz Manfredini apresenta um quebra-cabeça, cujo resultado é composição surpreendente, que descreve idas e voltas sem jamais perder o fio da meada. E desse arranjo virtuoso emerge, cru, o perfil de um personagem controverso es único, do criador talentoso, obsessivo cultor da palavra. Ora um flâneur, um vagau em andanças sem destino, ora escandaloso como Jean Genet, libertino como Rimbaud, ou recatado feito um cavalheiro vitoriano”. Um personagem que se agarrava à literatura, como costumava dizer e repetir, movido por uma pulsão vital, absoluta.

Trecho
“Em pânico, ele não percebeu o voo da faca que, afinal penetrou-lhe o pescoço, atingindo a jugular. Por breves segundos cambaleou, a vista opaca e os sentidos afrouxados, para em seguida arriar sobre a cadeira na qual estivera sentado. Por fim, um segundo golpe, desta vez perfurando a carótida, o fez escorregar para o chão. No pescoço, a faca oscilava feito um pêndulo sinistro. Nos olhos esbugalhados, estacionara um olhar perdido entre o sangue e o nada.”

SERVIÇO:
“A pulsão pela escrita”
Editora Ipê Amarelo – Curitiba
2020 – 200 páginas
Vendas pelo WhatsApp (41) 9965-0704, com frete grátis.

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A direita chama o bolsonarismo à ordem

O ex-ministro Roberto Amaral, em artigo especial, afirma que a direita se acertou com a direita para salvar a “Pauta Guedes”. Segundo o articulista, houve um freio de arrumação na casa grande e –por isso– não se fala mais em frente ampla para derrubar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Economia

De acordo com Amaral, a concertação da direita ainda estabelece que Bolsonaro seja contido para não falar tantas barbaridades contras as demais instituições.

“É a vitória da direita sobre a direita; a mudança para que nada mude”, escreve, dando sequência ao raciocínio segundo qual houve uma tramoia na casa grande para salvar Bolsonaro.

Leia a íntegra do artigo:

A direita chama o bolsonarismo à ordem

O acordão da casa-grande, tratado neste espaço como artimanha em andamento (“A tramoia da casa-grande para salvar Jair Bolsonaro”. 09.072020), deixa o campo das hipóteses e se estabelece como fato consumado, de que dá conta a nova linha editorial dos grandes jornais, para os quais a presença do capitão e sua récua no comando do país deixou de representar uma ameaça às instituições democráticas. Porque o fundamental, agora, é salvar a “pauta Guedes”, ameaçada de cair por terra com o esboroamento do governo.

Mas que política econômica é esta a que as classes dominantes tanto se aferram? O número de falências em junho cresceu 71,3% sobre junho do ano passado, e nada menos que 93,4% dessa quebradeira atinge as pequenas e médias empresas (dados da Boa Vista-SCPC). Segundo o Banco Central (IBC-Br) a atividade econômica caiu 11,4% entre março e maio. É o maior recuo em toda a série histórica, anunciando uma queda do PIB deste ano em torno de 15%; uma tragédia, se considerarmos que em 2019 o “crescimento” já estancara em pífio 1,1%. Mas nada disso é relevante, porque a batalha ideológica, até aqui ganha pela direita, transformou as reformas do neoliberalismo em uma encantação mágica.

Aqui e neste tempo se apresenta como “modernidade” uma receita que fracassou em todo o mundo. E quando todas as economias capitalistas, incluindo as economias dos países centrais, investem em políticas desenvolvimentistas, entre nós, sempre derradeiros, a “novidade” é a contenção dos gastos, pai e mãe da estagnação da economia, da quebradeira, e do desemprego que crescem a olhos vistos, e crescerão ainda mais se não tivermos forças para conter o projeto suicida da classe dominante brasileira.

Em plena pandemia (aprofundada pelo governo), com nossos mortos se aproximando dos 100 mil (desconsideradas as consabidas subnotificações) continua o descalabro criminoso: o ministério da saúde chefiado por um general (de infantaria) interino, cercado de fardados ocupando cargos civis destinados a técnicos e especialistas. Aliás, enquanto o fracasso do governo é regra, sob todos os aspectos, dobra a presença de militares em funções civis. Segundo o TCU, temos hoje 6.157 militares em cargos civis. Uma invasão.

O fato objetivo é que as forças armadas, carregadas por uma coorte de generais em comissão, estão definitivamente atreladas ao governo, com ele se confundem, e com ele subirão, condenadas, ao patíbulo da história. Bolsonaro é a caricatura dessa nova forma de governo militar. É a face aparente.

Enquanto os fardados não se dão conta do atoleiro em que se meteram e nos meteram, e não encontram a porta de saída para o desatino, a classe dominante, esta sim astuta, cuida de salvar os dedos quando vê ameaçados os anéis conquistados quase sempre sem honra. Chama as partes para o entendimento e indica a fórmula de consenso: salvar a “pauta Guedes”.

O povo, como dizia uma certa ex-ministra da Fazenda em governo de péssima memória, é só um “detalhe”. Um número nas planilhas dos tecnoburocratas.

O mantra, agora, são as “reformas” do neoliberalismo, pois elas nos salvarão, destruindo o Estado, reduzindo os gastos públicos, suspendendo investimentos, reduzindo salários, estancando o desenvolvimento.

Mantra é como a fé, não se discute, porque prescinde de razão, como o criacionismo, o terraplanismo. A crença irracional nos poderes milagrosos do liberalismo arcaico – privatismo, soberania do lucro privado sobre o interesse público – já está destruindo o pouco que nas últimas décadas conseguimos avançar na busca de um ainda longínquo Estado do bem-estar social. No seu rasto ficará a selvageria do capitalismo sem freios, a barbárie. Já ostentamos a maior concentração de renda do mundo. Que nos espera, logo mais adiante, sob uma política alérgica ao interesse social?

Em sua coluna do último domingo (“Platô no vírus e na política”, Estadão. 18/07/2020), a jornalista Eliane Cantanhêde, arguta e bem informada, nos fala na união (é como traduz o acordão ou a “ordem unida” ditada pela casa-grande) necessária “para minimizar os danos colaterais [da pandemia] e tratar as feridas: quebradeira de empresas, milhões a mais de desempregados e o aprofundamento da miséria”. Registra que o capitão deixou de “disparar insultos diários, atiçar as hordas golpistas, avalizar a guerra da internet contra todos”.

Não nos esclarece, porém, as razões de tão surpreendente mudança de uma caráter paranoico sem qualquer habilitação para o convívio com a realidade. De qualquer sorte teríamos chegado ao nosso platô, da miséria e da política. É hora, portanto, de chamar os jogadores de volta ao centro do campo, e estabelecer novas regras, porque está muito alto o número de faltas e contusões.

O capitão-presidente, olhando para o banco de reservas, se dispõe conter as agressões aos poderes institucionais. Põe-se em retiro, e se cala, o que significa que deixou de dizer sandices. Cruza os braços, lava as mãos diante da crise, e deixa que os militares conversem com os políticos e o “mercado”.

Segundo a articulista, o governo teria reaberto o “diálogo e as relações com os poderes”. Daí, aduzo, veio a paz que se estampa no silêncio das manchetes dos jornais que não mais se chocam com os desmandos do governo.

É a vitória da direita sobre a direita; a mudança para que nada mude.

A colunista define esse realinhamento como um “movimento” que estabelece “uma distinção entre a direita moderna, culta e pragmática [sic] e essa direita instalada no poder, atrasada, ignorante, com um discurso ideológico incompreensível”. Essa segunda direita, evidentemente, é o bolsonarismo. Continua a jornalista, como que resumindo os termos do acordão: “A direita entendeu e obrigou Bolsonaro a começar a entender”.

É o concerto clássico da classe dominante. A entente da direita com a direita, contra o país. No plenário da casa-grande não há espaço para as forças populares.

A direita simplesmente se deu conta de que ela própria estava ameaçando seu reino e corrige o engano. Daí o tranco. O preço da paz vem a galope e será pago pela nossa tragédia: não se fala mais em frentes, amplas ou não, contra Bolsonaro, pelo menos enquanto a focinheira funcionar; as hordas serão aquietadas, os generais falarão menos, um ou outro ministro ainda pode ser ejetado, tudo, e o mais que não se conta, aplainando os caminhos das “reformas” que serão tocadas cartorialmente pelo Congresso sob o reino ético do “centrão” e das bancadas da bíblia e da bala, todos aliás, bem alimentados pelas verbas da União distribuídas a mãos cheias pelo capitão.

O “mercado” é que interessa, o resto não interessa.

Muda-se de direita para que o governo continue de direita. Muda-se para que nada mude, muda-se a aparência de um governo tresloucado por um governo aparentemente bem comportado, mas sua natureza reacionária, antinacional e anti povo, genocida como afirma um ministro do STF, persiste. Para preservá-la, aliás, é que a casa-grande interveio. Para salvar-se, teve de pôr Bolsonaro sob sua guarda.

Depois do freio de arrumação, vamos ao que interessa, e quando este artigo estiver sendo lido o congresso começará a discutir a reforma tributária, que ninguém conhece, prometida pelo ministro da Economia. Será mais um pacote que se empurrará goela a baixo. O projeto, qualquer que seja a proposta, passará, como passou o marco do saneamento, como passará tudo o que for de interesse da nova ordem. Estamos apenas no começo das “reformas”.

Se assim é na periferia, na metrópole organiza-se uma Internacional Socialista “moderna”, isto é, livre das propostas socialistas e das críticas do socialismo ao capitalismo. Em nenhuma hipótese se tocará em “luta de classes”. E ao invés de defender o socialismo, a nova Internacional proporá o “pós-capitalismo”. Que é isso, ainda não foi dito. Surge, assim, uma esquerda bem comportada, com todos os atributos para ser bem aceita pela casa-grande, seus intelectuais orgânicos e seus jornais.

*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia