Política de preços que enlouqueceu o país

J. Carlos de Assis*

A política de preços da Petrobrás vai enlouquecer o Brasil. Ninguém está entendendo nada dela, nem os caminhoneiros que usam diesel, nem as donas de casa que usam gás, nem os consumidores que sofrem o impacto da alta dos combustíveis nos supermercados, nem, principalmente, o presidente Jair Bolsonaro, que se apavora com seus efeitos eleitorais. Este último, aliás, ficou definitivamente louco. Não consegue entender porque o presidente da República não tem poder para fazer algo que lhe parece tão simples quanto controlar uma empresa estatal.

Percebi a extensão do enlouquecimento geral do país ao assistir ontem a um programa de debates da Globo News. O foco era a substituição do presidente da Petrobrás, general Silva e Luna, no qual todos os quatro comentaristas se mostravam inteiramente perdidos em relação a uma explicação para uma mudança de presidentes da Petrobrás quando tanto o que sai quanto o que entra pensam exatamente igual. Isso acontece também nos jornalões que circulam por aí. E também na maioria dos blogs. Afinal, o que quer Jair Bolsonaro com essa mudança?

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A culpa por essa loucura generalizada é de uma lavagem cerebral que alguns tecnocratas bandidos e seus asseclas na imprensa fizeram na população inserindo nas suas cabeças um chip virtual com o nome de PPI. Por extenso, Preço de Paridade Internacional. Associaram ao PPI o conceito de que os preços internos dos derivados de petróleo deveriam seguir os preços internacionais, para que, quando ameaçassem ficar acima, não se caracterizasse um subsídio indevido ao deixá-lo baixo. E disso fizeram um dogma, sob o argumento de que estamos num “mercado livre”.

A primeira farsa embutida nesse raciocínio é que não estamos num mercado livre. Estamos num mercado de derivados “que está sendo inventado como livre” desde 2019, quando se anunciou uma política de privatização das refinarias da Petrobrás. A primeira que foi vendida à iniciativa privada foi a Refinaria Ranulpho Alves, na Bahia, que responde por 13% da produção de derivados no país. Até o fim do programa de privatização, o atual governo, se tiver tempo, quer vender metade da capacidade brasileira de refino.

J. Carlos Assis: Política de preços que enlouqueceu o país
J. Carlos Assis: Política de preços que enlouqueceu o país

Hoje ainda há tempo para uma política “nacional” de preços de combustíveis que dependeria apenas na margem do mercado internacional. A Petrobrás é virtual monopolista na produção de petróleo cru, e pode trocar o petróleo mais pesado, que usa na produção de derivados, por petróleo mais leve importado, atendendo praticamente a todo o mercado interno (menos, agora, a parte referente à refinaria vendida). Assim, é autossuficiente, e, no que produz, não depende do mercado internacional, o que os comentaristas “oficiais” do setor não parece terem entendido.

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O PPI, na verdade, refere-se a índices da evolução dos preços internacionais de petróleo e dos serviços a eles associados – transportes, fretes etc. Não se refere a quantidades e serviços efetivamente importados ou usados pela empresa em seu processo produtivo. Assim, se a Petrobrás exporta o que importa, não faz nenhum sentido usar a evolução dos preços internacionais do petróleo como referência para os preços internos.

Num artigo anterior, expliquei o que tradicionalmente se aplicou no Brasil como referência para precificação de bens e serviços produzidos por empresas monopolistas – ou quase monopolistas, como é o caso da Petrobrás. É o preço pelo custo. Levantam-se todos os custos envolvidos no processo produtivo, verifica-se a participação proporcional dos bens e serviços produzidos no produto global, atribui-se a eles os preços proporcionais respectivos e estabelece-se uma margem razoável de lucro para distribuição de dividendos e novos investimentos.

Isso, certamente, não é “política social”, como alega o ignorante general Silva e Luna, embora tenha elementos de uma política pública. A Petrobrás não foi fundada para dar lucro. Foi fundada para garantir autossuficiência brasileira em petróleo, o que conseguiu em décadas de trabalho árduo de brasileiros. Não faz nenhum sentido em mudar sua finalidade central por razões ideológicas. Os neoliberais, ao tentarem criar um mercado “livre” para a Petrobrás, o que fazem é expor o Brasil aos riscos do mercado internacional, violando princípios de segurança estratégica do país, como é o caso atual da guerra na Ucrânia.

Por não entender isso, Jair Bolsonaro tenta simplificar as coisas mudando o comando da estatal. Não vai conseguir o que gostaria de ter, ou seja, um novo presidente da Petrobrás que reduza a velocidade de aumento dos preços dos derivados. Adriano Pires vai seguir a cartilha do PPI, porque isso passou a integrar a cultura da empresa e, de forma mais ampla, de todo o mercado. A única forma de escapar dessa arapuca criada pelo neoliberalismo é uma violação do próprio sistema neoliberal, o que não está à altura deste governo.

O que está a sua altura, sim, é continuar fazendo da política de derivados um meio de facilitar a entrada das multinacionais do petróleo no mercado brasileiro, transformado em “livre”. Com as restrições de produção que a Petrobrás impõe a si mesma, as estrangeiras já ocuparam 30% desse mercado, e vão avançar até no mínimo 50%, se o programa de privatização for realizado. Nesse caso, estaremos todos entregues ao apetite devorador dos investidores e acionistas internacionais da Petrobrás, os únicos que não terão razão para ficar loucos.

*J. Carlos de Assis é jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, da Frente Nacional Em Defesa da Soberania.