Se o sistema de justiça não confia nele, quem confiará?

enio_judiciarioO deputado Enio Verri (PT-PR), em sua coluna desta terça (6), coloca o “guizo no gato” ao discorrer sobre o abuso de autoridade praticado cometido por juízes e integrantes do MP. Segundo ele, há o sentimento da “inimputabilidade” de membros do Poder Judiciário e do MPF cuja pena máxima a malfeitos é aposentadoria com salário integral.

Se o sistema de justiça não confia nele, quem confiará?

Enio Verri*

O barulho em torno da aprovação do PL 4.850/2016, que trata das 10 medidas anticorrupção é mais um motivo para se incluir nas grades curriculares do ensino, desde a alfabetização, a disciplina de Direito. Durante a tramitação da matéria, parlamentares ocuparam a tribuna pública para defender inconstitucionalidades e a prática de arbitrariedades por órgãos de fiscalização e controle. Proposições de um governo assentado por meio de um golpe, e não por uma eleição direta.

Diferente do que divulgado por parte da imprensa, de forma acusatória, o texto aprovado não protege a prática do Caixa 2. Pelo contrário, passa a ser tipificado no Código Penal e não apenas no Código Eleitoral, como era até então. Acusa-se o parlamento de proteger quem já cometeu o agora crime penal de Caixa 2, que não vai pagar criminalmente pelo ato.

Felizmente, isso se deve ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Efeitos penais e criminais de uma nova lei não podem retroagir para punir alguém por prática de crime para o qual não havia lei anterior que o tipificasse. Ao dizer não à retroatividade de uma nova lei, o PT e os partidos do campo progressista votaram pela proteção ao cidadão comum, a quem não tem dinheiro para pagar um caro advogado.

Economia

Votamos pela inviolabilidade do Habeas Corpus, uma grande conquista da CF 1988, pós-Ditadura Militar, quando os direitos civis foram cassados pelo o AI-5, em 1968. Outra proposta apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) é típica de quem tem a certeza da ignorância geral, em relação a leis e direitos. Os promotores públicos de justiça propuserem inverter a lógica do inciso 54, do artigo 5º, da CF. Segundo o MPF, a obrigação de provar a inocência passaria a ser do acusado e não de quem o acusa.

Segundo a alínea f, do Título III, do Programa de Proteção e Incentivo a Relatos de Informações de Interesse Público (Programa de Proteção a dedo-duro remunerado), proposto pelo MPF, o delator teria direito de 10% a 20% do patrimônio recuperado. O PT votou contra a proposta por entender que a medida cria uma indústria de delação premiada.

Abuso de autoridade

Todo e qualquer cidadão interessado em saber da agenda do presidente da República, ou saber quanto um ministro de estado gastou em um almoço durante viagem, basta solicitar essas informações ao Poder Executivo. O custo do gabinete de um parlamentar está à disposição de qualquer pessoa que o solicite ao poder Legislativo. Membros dos Executivo e Legislativo são os mais alcançáveis pela justiça. Basta observar o número de cassações e as penas imputadas.

Já o poder Judiciário é imperscrutável. Não se pode ter acesso aos custos de um magistrado para a nação. Jornalistas foram processados por membros do Tribunal de Justiça do Estado Paraná (TJ-PR) pela divulgação de seus escandalosos salários. Os privilégios do Poder Judiciário abriram espaço para a formação e consolidação de uma consciência de casta superior.

Um outro desdobramento dessa consciência é o sentimento da inimputabilidade do Poder Judiciário e do MPF. Qual poder republicano pode exigir respeito quando a pena máxima para atos inaceitáveis e criminosos de alguns de seus membros é a aposentadoria com salário integral?

Um juiz processa a agente de trânsito que o autuou em flagrante dirigindo um veículo sem placa, embriagado e sem CNH. Uma juíza foi aposentada com salário integral por deixar uma adolescente na cela com dezenas de homens, por mais de 20 dias. Um promotor baleou uma pessoa durante uma festa, em Brasília, e recebe salário integral durante a pena administrativa que está cumprindo.

Um juiz foi condenado a aposentadoria integral depois de flagrado com R$ 600 mil e um veículo importado apreendido de um rico empresário, durante uma operação da Polícia Federal. Os bens estavam depositados sob a confiança do magistrado. A aposentadoria integral foi também a pena imposta a um desembargador do Espírito Santo, flagrado com mais de R$160 mil incluídos indevidamente aos seus vencimentos.

Um juiz de primeira instância determinou a condução coercitiva de um cidadão sem tê-lo intimado antes. Esse mesmo juiz interceptou ilegalmente, gravou e divulgou para a maior rede de imprensa do Brasil uma conversa entre pessoas com foro privilegiado. Nada aconteceu. Se um magistrado se sente à vontade para agir dessa forma com pessoas com foro privilegiado, o que não faria com um cidadão comum, sem as prerrogativas de quem responde por algum dos poderes da República?

É estranha e autoritária a atitude dos agentes da Força Tarefa da operação Lava Jato, de ameaçar abandonar a operação, caso o presidente decorativo, Michel Temer, não vete as sanções previstas a magistrados e promotores, por abuso de autoridade. O gesto revela justamente a consciência de seres superiores e intocáveis, bem como a incoerência entre discurso e prática.

A aprovação de sanções a magistrados e promotores de justiça, por abuso de autoridade, é um sinal de fortalecimento e transparência das instituições, bem como de valorização dos profissionais que respeitam a função exercida. Como bem observou o jornalista Élio Gaspari, em artigo de domingo (4), sobre a reação do Judiciário e do MPF com o resultado da votação: “Se os procuradores da “lava jato”, o juiz Moro, a ministra Cármen Lúcia e seu colega Joaquim Barbosa não confiam na Justiça, por que alguém haverá de fazê-lo”?

*Enio Verri é deputado federal, presidente do PT do Paraná e professor licenciado do departamento de Economia da Universidade Estadual do Paraná. Escreve nas terças sobre poder e socialismo.

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