Enio Verri: Adeus, Reforma Agrária

enio_reforma_agrariaO deputado Enio Verri (PT-PR) denuncia em sua coluna desta terça (13) que o ilegítimo Michel Temer (PMDB) decretou o fim do sonho da reforma agrária. “O interesse do capital internacional pelas diversas, aquíferas e ricas terras brasileiras, fará explodir uma especulação imobiliária jamais vista na história do Brasil”, prevê.

Adeus, Reforma Agrária

Enio Verri*

Uma das mais injustas e cruentas heranças da colonização brasileira é a ausência de uma regularização fundiária do território nacional. O período sesmarial e a Lei da Terra, de 1850, que condicionou a compra como a única possibilidade de se adquirir terras, fundamentaram dois sistemas estruturantes da concentração agrária, no Brasil.

Um, de apropriação por somente quem tinha dinheiro e chumbo. Outro, de formalização legal de propriedade, chamado de grilagem. Trancava-se registros e documentos fraudulentos em uma caixa com grilos, para dar aparência de velhos. As famílias concebidas pelos capitães donatários foram as primeiras latifundiárias, seguidas das industriais herdeiras do café e das burguesas.

Ao longo desse período, todo o arcabouço jurídico, moral e financeiro foi construído para beneficiar os detentores dos privilégios de suas condições sociais. Segundo relatório da Confederação OXFAM, entidade internacional que atua pelo fim da pobreza e da desigualdade, 45% da área rural brasileira está nas mãos de 1% das propriedades declaradas. Por outro lado, 47% das propriedades de todo o País são menores que 10 hectares, mas ocupam apenas 2,3% de toda a área rural.

Economia

Entre 2003 e 2010, houve um grande crescimento no número de estabelecimentos rurais. Entretanto, o índice de minifúndios, pequenas e médias propriedades, diminuiu, respectivamente, de 9,4%, para 8,2%; 17,8%, para 15,6% e 21,2%, para 20%. Já o índice do número de grandes propriedades passou de 51,6%, para 56,1%.

Não é demais lembrar que as pequenas propriedades, principalmente as da agricultura familiar, são responsáveis por mais de 75% dos alimentos que vão à mesa do mais rico ao mais pobre brasileiro.

A área agricultável do Brasil cobre 41,5% do seu território total. Isso corresponde a 3,5 milhões de Km², ou 353 milhões de hectares, ou 15% das terras agricultáveis no mundo. Entretanto, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cerca de 30 milhões de pessoas, ou cinco milhões de famílias vivem abaixo da linha de pobreza.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2006, denunciam os efeitos deletérios da concentração de terras para o desenvolvimento humano. Em 1985, o Índice Gini brasileiro era de 0,856, ou de absoluta desigualdade. Em 2006, período em que se verificou forte crescimento no número de latifúndios, o índice chegou a 0,872.

Recentemente, o município de Correntina (BA) foi noticiado como o de maior concentração agrária no Brasil. Ele reflete o quadro nacional. Mais de 75% da sua área estão em mãos de 1% dos estabelecimentos declarados. O PIB per capita do município é superior a R$ 25 mil. Entretanto, dos poucos mais de 30 mil habitantes, 59,67% são da zona rural e quase metade dessas cerca de 20 mil pessoas passam fome.

Cerca de 45% da população rural e 31,8% da geral, vivem na pobreza. Ações do Ministério do Trabalho, entre 2003 e 2013, resgataram 249 trabalhadores em condições análogas à de escravo. A grilagem avança, violenta e sofisticadamente sob o manto da legalidade, sem caixas com grilos, mas por autenticações eletrônicas e muito chumbo impune. Desde a instalação do golpe, recrudesce a guerra no campo.

Em nota pública, emitida em 02 de dezembro, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou o aumento no índice de assassinatos de lideranças camponesas, principalmente na região Norte. Dos 50 assassinatos, em 2015, 47 foram na Amazônia. Segundo a CPT, o número de mortos, em 2016, já ultrapassa em quatro os de 2015.

A Bancada do Boi é maior do Congresso Nacional, com 109 deputados e 17 senadores. É formada por interesses do agronegócio. Aliado da bancada, o governo golpista de Michel Temer apoia a tramitação de dois processos desastrosos para a soberania do País, na Câmara dos Deputados e no Senado. No Senado avançam as discussões para a reforma do Código de Mineração, de 1967.

Entre outras propostas de alteração, estão a de admitir pesquisa e lavra em região de fronteira e a de oferecer o rico solo brasileiro a empresas estrangeiras. As propostas da Câmara dos Deputados são o PL 4.059/12, de autoria do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), cuja família é proprietária de uma empresa especializada em genética bovina, que vai permitir ao capital estrangeiro adquirir terras brasileiras.

O PL vai permitir regularizar terras adquiridas por estrangeiros, desde 1989, quando a Advocacia Geral da União (AGU) suspendeu os efeitos da Lei 5.709, de 1971, que restringia a aquisição de terras brasileiras por estrangeiros. Segundo o ex-ministro da Defesa, Paulo Cezar Garcia, em entrevista ao site “Brasil de Fato”, há mais proprietários de terras na Amazônia, que o próprio tamanho da área do estado do Amazonas.

A empresa Radar Propriedades Agrícolas S/A, ligada à Cosan S/A, dos ramos de energia e logística, possui investidos R$ 5,2 bilhões em 270 mil hectares. A principal fonte desse capital é a administradora de fundos de pensão Tiaa-Cref, cujos papéis estão avaliados em cerca de U$ 1 trilhão.

É o fim do sonho da reforma agrária. O interesse do capital internacional pelas diversas, aquíferas e ricas terras brasileiras, fará explodir uma especulação imobiliária jamais vista na história do Brasil. Ainda segundo o ex-ministro Garcia, no Brasil há pessoas jurídicas com capitais societários de R$ 1, de um dos sócios, e de U$ 300 milhões, de propriedade de alguma empresa estrangeira.

Segundo dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), até 2011, cerca de quatro milhões de hectares estavam em mãos de estrangeiros. Entre 1998 e 2008, o número de imóveis em nome de empresas nacionais passou de 31 para 67 mil. Entretanto, pouco mais de 34 mil imóveis estão registrados em nome de estrangeiros.

Segundo avaliação do professor do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília (UNB) Sérgio Sauer, a decisão de uma pessoa física ou jurídica, que detenha dois ou três milhões de hectares, de produzir, ou não, segundo critérios financeiros, pode causar impactos capitais na produção do país e na de outros países. Ou seja, terras agricultáveis controladas ao sabor dos apetites financeiros em aplicações em bolsas de valores.

Como disse o filósofo, poeta e compositor Raul Seixas: “… vamo embora / Dar lugar pros gringos entrar / Esse imóvel tá pra doar” (grifo meu).

*Enio Verri é deputado federal, presidente do PT do Paraná e professor licenciado do departamento de Economia da Universidade Estadual do Paraná. Escreve nas terças sobre poder e socialismo.

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