Que democracia é essa?

romanelli_lavajatoO deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB), líder do governo na Assembleia Legislativa, afirma em sua coluna desta segunda (21) que “a Lava Jato mostrou à elite política e empresarial o autoritarismo processual penal, até então reservado aos menos afortunados”. O colunista diz que sua discordância é em relação à inversão do processo penal na Lava Jato. “E também a banalização das delações premiadas, a espetacularização das conduções coercitivas e prisões preventivas e a santificação dos procuradores e juízes que atuam no caso, e mais, a sua inserção na política”. Leia, ouça e comente a íntegra do texto:

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Que democracia é essa?

Luiz Claudio Romanelli*

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar.
(Martin Niemöller)

O princípio da presunção de inocência é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Esta lá, com todas as letras: “Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

“LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;

Economia

Pois bem. O Sol e a Lei são para todos. Todos são iguais perante a lei. Mas no Brasil, desde sempre, sabe-se que uns sempre foram mais iguais que os outros, raramente atingidos pelos braços da lei. Não à toa, os presídios brasileiros estão lotados de presos que nunca foram julgados. Cumprem prisão provisória que se torna permanente. Estão presos sem ter sido sentenciados, vítimas das distorções do processo penal brasileiro.

Com a Lava Jato, as coisas mudaram. A inovação da Lava Jato foi estender aos ocupantes do andar de cima, até então imunes a justiça criminal, as arbitrariedades que já eram regra na condução do processo penal no Brasil. A Lava Jato mostrou à elite política e empresarial o autoritarismo processual penal, até então reservado aos menos afortunados.

A Lava Jato inovou também ao tornar regra a prisão preventiva destinada à obtenção da delação premiada, a condução coercitiva sem prévia intimação, a divulgação de grampos telefônicos, inclusive as obtidas ilegalmente. Pelo que vimos até agora, não é o devido processo legal que tem prevalecido e sim os fins que justificam os meios.

Antes que venham dizer que sou contra a Lava Jato e a favor da corrupção, vamos colocar os pingos nos iis. A Lava Jato é importantíssima para o país porque trouxe à luz as relações promíscuas entre políticos e empresários que ha décadas dilapidam e sangram o pais. Como a maioria dos brasileiros, acredito que todos os culpados pelo assalto aos cofres públicos devem ser responsabilizados e punidos com todo o rigor da lei. Todos, de todos os partidos, todos, de todas as empreiteiras. Corrupção é corrupção, não tem partido, não é de esquerda ou de direita.

Aliás, deve explicação a sociedade o chamado “poder fiscalizatório”: onde estavam esses anos todos o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, os órgãos de controle interno e a Corregedoria da da União, que não identificaram sobrepreços e durante anos a corrupção correu solta. Como penalizar os que deveriam fiscalizar e não fizeram?

A minha discordância é em relação à inversão do processo penal na Lava Jato. E também a banalização das delações premiadas, a espetacularização das conduções coercitivas e prisões preventivas e a santificação dos procuradores e juízes que atuam no caso, e mais, a sua inserção na política.

Retrocedemos ao Estado Novo brasileiro, quando se editou o Decreto-lei nº 88/1937, que impunha ao acusado o dever de provar, em sede penal, que não era culpado.

Senão, como justificar as prisões midiáticas ocorridas na semana passada envolvendo os ex-governadores do Rio de Janeiro?

A transferência de Garotinho do hospital Souza Aguiar para o presidio de Bangu foi um espetáculo grotesco, um enorme desrespeito à dignidade da pessoa humana.

As prisões foram um carnaval midiático antecipadamente preparado e comprova os vazamentos seletivos e as relações perigosas entre alguns veículos de comunicação e servidores da policia e justiça. Porque afinal de contas nenhum jornalista tem bola de cristal ou o sentido da vidência para saber que a hora tal do dia tal a PF vai efetuar uma prisão….

Ao contrario de muitos, não celebro essas prisões. Considero que são uma violação aos diretos individuais e um desrespeito ao Estado Democrático de Direito. Não sou a favor de justiceiros e pelo que li até agora sobre a prisão do ex-governador Garotinho, o buraco é mais embaixo e muita podridão de gente poderosa virá à tona. É esperar pra ver. O que me preocupa e muito é o que não serão capazes de fazer se essa escalada de arbitrariedades continuar.

Eu acredito que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se fosse culpado antes que sobrevenha contra ele uma condenação penal transitada em julgado. O postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. Todo o resto é retrocesso, e o retorno ao obscurantismo, e um passo adiante para um estado de exceção.

Em tempo: espero que o Senadores da República tenham a mesma coragem que vem tendo o Senador Requião, de relatar o PL do abuso de autoridade, que pune a todos os agentes políticos e públicos e protege o cidadão contra a opressão promovida em nome do Estado.

Paz e bem e uma boa semana.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.

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