Coluna do Reinaldo de Almeida César: Ausência de diálogo compromete o governo de Beto Richa

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Reinaldo de Almeida Cesar, em sua coluna semanal, retoma a história de alguns governadores do Paraná, Paulo Cruz Pimentel, Alvaro Dias e Jaime Lerner, que em seus mandatos enfrentaram momentos de crise, adversidades e confrontos, para mostrar como a ausência de diálogo que vem marcando a gestão do governador Beto Richa (PSDB) pode comprometer seu legado; Reinaldo comenta o recente episódio da morte pela Polícia Militar de dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Quedas do Iguaçu, e ressalta que o governador deveria ser o mais interessado em que os fatos fossem completamente esclarecidos, para que não pairassem dúvidas sobre suas ações. Leia, comente e compartilhe.

Reinaldo de Almeida Cesar*

Enquanto o mundo tremia na agitação de maio de 1968, por aqui, em terras nativas, os estudantes tomaram a reitoria da UFPR em protesto contra o anunciado acordo MEC-USAID. Na linha de frente, idealistas de ontem e de hoje, como Stenio Jacob, Luis Manfredini, Zequinha Ferreira, Clair Flora Martins e tantos outros. O quadro ficou muito tenso, com ares de tragédia anunciada, pela confirmação de que era iminente uma enérgica intervenção do Exército.

Nesta época, o Paraná tinha um grande, melhor dizendo, um extraordinário governador, Paulo Cruz Pimentel.

Com sua aguçada sensibilidade política, notável inteligência e vocação para o diálogo e para a democracia, Paulo Pimentel — com o auxílio de seu secretário de Segurança Pública, o honrado José Munhoz de Mello, esteio de uma família de grandes juristas — empenhou-se até o último e pessoalmente negociou com os estudantes a saída pacífica do prédio. O Governador Paulo Pimentel evitou, assim, um derramamento de sangue, que mancharia o Paraná para sempre.

É verdade que, na saída da reitoria, os estudantes levaram de arrasto o busto de Flavio Suplicy de Lacerda, mas essa é uma outra e saborosa história.

Economia

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Alvaro Dias teve uma carreira política fulgurante. Chegou ao Senado Federal aos 38 anos de idade, na eleição de 1982, em dobrada com José Richa.

Dali para o Palácio Iguaçu foi um passeio, com um pequeno susto quando algumas forças políticas se mobilizaram para lançar Deni Schwartz ao governo. Lembro-me perfeitamente quando meu querido pai organizou uma reunião gigantesca, na pequenina Ivaí, reunindo centenas de lideranças políticas dos Campos Gerais para lançar Alvaro Dias ao governo, contrapondo-se, pela primeira vez, aos movimentos dos que desejavam a opção Deni Schwartz, lançado pré-candidato ao Iguaçu, dias antes, em um almoço em Ponta Grossa.

Passado esse susto e confirmado candidato ao governo pelo PMDB, Alvaro Dias teve uma eleição tranquilíssima contra Alencar Furtado, em 1986. Venceu com 72% dos votos.

Desde o início, fazia um grande governo, com muitas realizações e uma equipe de notáveis, como Acir Breda, René Dotti, Mario Pereira, Heinz Herwig, Osmar Dias, Rubens Bueno e Edson Gradia, entre outros. Flutuava nas pesquisas de opinião, com admiráveis índices de aprovação e sempre lembrado pela grande mídia como potencial candidato à Presidente da República.

Veio então o fatídico agosto de 1988. Professores no portão da Assembléia, tumulto, Rafael Greca na ruidosa liderança da oposição. Por desencontros de comandos até hoje não esclarecidos, empregou-se a cavalaria da PM. Todos sabem no que deu.

Alvaro Dias, sempre vitorioso na política estadual, concluiu seu mandato até o fim e demorou quase uma década para recuperar mandato eletivo.

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Em seus dois mandatos de governador, Jaime Lerner enfrentou enormes desafios na área fundiária. Foi um período de inquietude no campo, com intensa mobilização social e denúncias de atuação repressiva de milícias organizadas, que foram parar em cortes internacionais como a OEA.

Em 2000, quem subia no Palácio Iguaçu podia descortinar de suas janelas o expressivo acampamento dos sem-terra na Praça de La Salete, que lá permaneceu por vários meses. Antes disso, morre Antonio Tavares, líder do MST, em confronto com a polícia, às margens da BR-277, em Campo Largo, quando tentava-se impedir a chegada dos sem-terra à Curitiba. Em junho de 2012, a justiça condenou o Estado do Paraná pela morte de Antonio Tavares.

A partir desse fato, Jaime Lerner viu sua popularidade desabar, concluiu seu mandato como governador até o último dia e nunca mais se candidatou a qualquer cargo.

Foi de certo modo redimido nas eleições para prefeito de Curitiba, em 2014, pois todos os candidatos competitivos antes de disputarem os votos dos eleitores, se engalfinharam para disputar o apoio de Lerner, que acabou sendo dado a Gustavo Fruet.

Dois episódios foram decisivos para o apoio de Lerner a Fruet, até então, históricos adversários: a presença do sempre competente, leal e corretíssimo Gerson Guelmann na coordenação-geral da campanha de Fruet e a humilhação a que foi submetido, com enorme injustiça, o boa praça e ex-conselheiro Caio Soares, a quem se negou o legítimo direito de, por rodízio, chegar à presidência do Tribunal de Contas, antes de sua aposentadoria.

Em verdade, diga-se, Jaime Lerner jamais precisou de qualquer redenção. Curitibanos de boa fé sempre terão uma palavra de orgulho e de gratidão a lhe endereçar.

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Se Beto Richa, calçando as sandálias da humildade, tivesse se aconselhado com Paulo Pimentel, Alvaro Dias e Jaime Lerner, certamente os três recomendariam ao atual governador: que tenha elevada paciência e muito diálogo com estudantes, professores e sem-terra. Seja sensato no emprego das forças de segurança. Tenha compreensão e temperança com os movimentos sociais. Exerça a liderança de Governador com ponderação, sem açodamento e avoque as decisões mais sensíveis para seu exclusivo comando e ordem.

A julgar pelos acontecimentos recentes, da forma que foram tratados estudantes e professores no tristemente para todo sempre lembrado 29 de abril e pela trágica morte dos sem-terra na última semana em Quedas do Iguaçu, tenho pra mim que Beto Richa nunca ouviu essas recomendações.

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O governo deve ver com bons olhos que outros órgãos, como o MPE/GAECO, a Ouvidoria Agrária Nacional, a Procuradoria da República e a Polícia Federal auxiliem na investigação sobre o que aconteceu em Quedas do Iguaçu.

Quanto mais esclarecedores os fatos, melhor. Ainda mais que, sem qualquer razão plausível, a perícia tardou mais de 24 horas para começar sua atividade de campo, o que violou e conspurcou a cena do crime encontrada.

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Pedro Nolasco, meu inseparável amigo, me conta que na Boca Maldita um desses campeões de palitinho sugeriu que a Casa Militar retire da manutenção da Helisul o jato e o helicóptero que servem ao governador e mande-os para um barracão de fundo de quintal em Almirante Tamandaré para recauchutagem, apenas trocando etiquetas de validade da revisão das aeronaves.

É mais ou menos assim que se sentem os nossos policiais, a partir da revelação do inquérito conduzido pelo competente delegado Vinícius Martins que, de forma isenta e juntamente com o Exército, mostrou a quantas anda o estado dos coletes balísticos envergados como proteção pelos profissionais de segurança aqui no Paraná.

*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.

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