Rafael Greca*
Terminei meu novo livro. “Luz dos Pinhais, História e Estórias de Curitiba“. Será publicado, ainda este ano, pela editora Solar do Rosário. São 99 capítulos, aproximadamente 600 páginas, onde reúno apontamentos para o estudo da mentalidade curitibana. Alegria pelo dever cumprido para com minha terra e minha gente.
Nas palavras deste livro, a Luz dos Pinhais vai revogando a escuridão e o silêncio da noite dos tempos em que jaziam imersas as terras que servem de berço ao rio Iguaçu. Acredito em Dante Alighieri quando diz que a “escuridão é o silêncio da luz”.
Invocamos a mesma Luz dos Pinhais para resgatar das névoas do esquecimento a memória coletiva de um povo singular: os curitibanos.
Aqui nascidos, ou que aqui escolheram viver. É extensa a bibliografia sobre a cidade de Curitiba, o povoamento da região da capital do Paraná, no vale do rio Iguaçu.
Ponto de passagem do Caminho do Peabirú, trilha indígena pré-cabralina, Curitiba fez-se marco da ocupação portuguesa do Brasil Meridional.
Já em 1639, o governador ibérico de São Paulo, autoriza a “posse dos Campos do rio Mbyrigüi” (o nosso atual rio Barigüi) em favor de Matheus Luiz Grou.
A “entrada” em território até então espanhol, favoreceria após a restauração do Reino de Portugal (em 1640)*, a revogação do Tratado de Tordesilhas (1492) pelos Tratados de Madrid (1750), Tratado de El Pardo (1762) e depois o Tratado de Santo Ildefonso (1777). O princípio de “uti posedetis”, usando Curitiba como cunha de penetração, seria o principal argumento português em favor da atual geografia da América do Sul.
Já em 1654, o mapa de João Teixeira Albernaz, cartógrafo real, refere Curitiba, – como “Campos de Querityba” – marcando capela e arraial serra acima. Então Ministro Presidente da Comissão Binacional Comemorativa dos 500 Anos do Brasil, tive a alegria de manusear este mapa, em março de 2000, por obséquio do então presidente de Portugal Mário Soares que mandou traze-lo até o Palácio d’Ajuda, desde a Torre do Tombo de Lisboa, para que o presidente Fernando Henrique Cardoso e eu o apreciássemos.
Na bibliografia paranaense nenhum título até hoje procurou abranger todo o processo de ocupação territorial, formação cultural, importância histórica e econômica da nossa Curitiba que, muito antes de ser considerada cidade modelo do Brasil, foi arraial de mineração de ouro – o primeiro do Brasil -, pouso de tropas, entreposto de regimentos lusitanos no combate aos espanhóis, cunha de avanço português sobre a Linha de Tordesilhas.
Do ponto de vista da ocupação territorial, a povoação de Curitiba, a partir da exploração das minas de ouro de Paranaguá, foi essencial na consolidação do domínio português no sul do Brasil. Foi a partir desta região que se estenderam os reinóis lusitanos até os confins do atual Rio Grande do Sul, na charqueada de Pelotas e também do Uruguai, na colônia do Sacramento.
No limiar do século XIX, Curitiba dormiu sertaneja e acordou europeia.
Após o ciclo do ouro e das tropas de gado, o cultivo da erva mate, e a convergência de correntes imigratórias, fazem da cidade o símbolo do que Wilson Martins chamaria de O Brasil Diferente.
Curitiba, ao receber alemães, italianos, poloneses, ucranianos, russos brancos, árabes súditos otomanos, israelitas, japoneses, e gente de todo Brasil, torna-se uma Rua que passa por muitos países.
A cidade progride em engenharia, arquitetura e urbanismo, ao receber imigrantes e também o corpo técnico atraído pelas obras da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá (1880-1885).
Isto se nota nos palacetes dos senhores da Erva Mate, no Hospital de Caridade da Santa Casa de Misericórdia (1880), na nova Catedral Metropolitana (1893), na arte cemiterial, e nas diversas igrejas das colônias, com torres em agulha, cúpulas em zimbórios, recortando o horizonte.
A importância cultural de Curitiba revela-se no Movimento Simbolista Brasileiro retratado por Andrade Muricy na obra “O Símbolo à Sombra das Araucárias”. A efervescência cultural do final do século XIX e início do século XX gerou na capital do Paraná o Movimento Neo Pitagórico que culminaria com a criação da Primeira Universidade do Brasil, em 19 de dezembro de 1912, a partir de projeto do historiador e imortal escritor Rocha Pombo, apoiado pelo meu bisavô o Comendador José Ribeiro de Macedo, ainda em 1892.
A cidade é berço de grandes artistas plásticos como Poty Lazzarotto, ilustrador de obras literárias de Jorge Amado, Gilberto Freire, Guimarães Rosa entre outros. Também são de Curitiba, o contista Dalton Trevisan, o poeta Paulo Leminski, e toda uma plêiade de valores da moderna cultura brasileira.
A partir de Paranaguá e de Curitiba o diplomata compositor Brazílio Itiberê da Cunha fundou a Música Nativista Brasileira, com a composição “A Sertaneja” que escolhi, interpretada pelo pianista Artur Moreira Lima, em 1993, para Música Tema dos 300 anos da nossa Cidade quando tive a ventura de ser o prefeito. Esta composição pianística é inspirada na antiga ciranda Balaio, Meu bem Balaio.
Curitiba é também uma das mais importantes cidades brasileiras, referência de planejamento urbano a nível mundial, a partir da trajetória do IPPUC – Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba (1965), do qual sou engenheiro membro concursado.
Merecedora em 1996 do Prêmio Mundial do Habitat da Agencia ONU / Housing and Building Foundation, distinção obtida na nossa gestão de prefeito de Curitiba, a Cidade não pode dormir sobre os louros conquistados.
Devemos ouvir a máxima romana: dormientibus non sucurrit jus, quer dizer, o direito não acolhe aqueles que dormem.
Uma cidade com a tradição de Curitiba não merece ser definida ou resumida pela desventura.
O relato dos sucessos que a tornaram exemplo de cidadania e urbanismo pode ajudar a iluminar o Brasil.
Pode também fomentar naqueles curitibanos que vão nascer a vontade de fazer brilhar, ainda mais alto, a Luz dos Pinhais.
*Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba, é engenheiro. Escreve às quartas-feiras no Blog do Esmael sobre “Inteligência Urbana”.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.