Coluna da Gleisi Hoffmann: Funeral de um lavrador sem terra

funeral
Em sua coluna nesta segunda-feira, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) comenta a morte dos dois trabalhadores rurais ligados ao Movimento dos Sem Terra (MST), em Quedas do Iguaçu, região Sudoeste do Paraná; segundo a colunista, as mortes naquelas plagas eram uma tragédia anunciada, resultado do desprezo com que o governo do estado trata as demandas sociais; Gleisi comenta as demandas judiciais envolvendo a fazenda ocupada, reivindicada pela empresa Araupel, mas sobre a qual já existe decisão judicial determinando a propriedade da União sobre as terras; articulista lembra ainda que o episódio acontece quase um ano depois do massacre dos professores e servidores no Centro Cívico, em Curitiba; e termina falando da escalada de ódio que ocorre por todo o Brasil que, para ela, só será superada com respeito e diálogo; leia, comente e compartilhe.

Gleisi Hoffmann*

Neste final de semana foi a música de Chico que ficou comigo enquanto estive na manifestação dos sem-terra em Quedas do Iguaçu, no interior do Paraná.

“Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida… É a conta menor que tiraste em vida… É a parte que te cabe deste latifúndio…”

Duas vidas, duas histórias, dois homens enterrados com seus sonhos e centenas de famílias assustadas, convivendo com a dor, também com o preconceito e intolerância.

Muitos comentários na imprensa do Paraná, nas redes sociais, no meu facebook sobre os sem-terra, qualificando-os de vagabundos, violentos, bandidos.

Economia

Olhava para aquelas pessoas sofridas, pobres, homens e mulheres de vida muito simples e difícil, que sonham e querem viver com dignidade com suas famílias, e pensava: onde está a violência, a não ser da pobreza?! Onde estão os vagabundos, com mãos lisas, peles macias, sem marcas de sol?! Bandidos com foices e enxadas, que cortam lenha e lavram a terra? Só quem nunca pisou em um acampamento pode achar que essas famílias são agressoras da ordem. Mais de um ano vivendo em barracos de costaneiras, enfrentando o frio, chuva, o calor dia e noite; fazendo lavoura sem condições adequadas para tirar seu sustento.

A terra ocupada era usada pela empresa de reflorestamento Araupel. Quando a área estava na iminência de ser ocupada a empresa me procurou. Acompanhei-os ao MDA e INCRA. Penso que se a terra cumpre sua função social de produzir não deve ser objeto de reforma agrária. O INCRA informou, entretanto, que aquela área estava em disputa judicial com o governo federal. A propriedade está sub judice.

Segundo a Advocacia Geral da União, a terra é pública e foi ocupada irregularmente pela empresa. Essa ação já deu origem a sentença de primeiro grau, favorável à União. Este fato precipitou a ocupação. Há mais de um ano o acampamento está formado.

Diante deste quadro parece que não se tem muito a fazer a não ser esperar a decisão final da Justiça. Isto posto, com o acampamento basicamente consolidado, e sem reintegração de posse decretada/cumprida, cabe a empresa se afastar da área. Não cabe fazer rondas ou entrar nas imediações do acampamento, ainda mais acompanhada de forças policiais para este fim. Também não cabe a Polícia Militar acompanhar a empresa nessas incursões. A polícia deve ser respeitada pelo trabalho de proteção à sociedade.

As mortes em Quedas do Iguaçu eram uma tragédia anunciada. Desde o ano passado, temos acompanhado o desprezo do governo do Estado para com as reivindicações dos movimentos sociais. Há um ano, os professores eram massacrados em praça pública por ordem e conivência do governador. Infelizmente, não há espaço no governo para mediações. Nem tão pouco negociações efetivas. O governo parece compactuar com as mensagens de intolerância e ódio, deixando que isso permeie suas ações e seu comando.

O que aconteceu em Quedas pode se tornar uma amostra do que teremos em escala nacional. São inúmeros os episódios que nos levam ao ódio e a intolerância como um comportamento corriqueiro: pessoas sendo agredidas na rua por usar vermelho, médica deixando de atender paciente por ser filha de petista, bispo sendo atacado durante a missa, frei sendo agredido por se recusar a receber material impresso a favor do impeachment, pessoas e movimentos sociais sendo xingados e marginalizados.

Temos de buscar viver para além de nossas divergências. Ter respeito, diálogo, maturidade é fundamental na democracia e requisito básico de convivência. A violência é, e sempre será, a concretização de derrota.

*Gleisi Hoffmann é senadora da República pelo Paraná. Foi ministra-chefe da Casa Civil e diretora financeira da Itaipu Binacional. Escreve no Blog do Esmael às segundas-feiras.

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