Coluna do Luiz Cláudio Romanelli: Os moradores de rua de Curitiba e o “constrangimento” da classe média

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Em sua coluna desta segunda-feira (8), o deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PMDB) fala da situação dos moradores de rua de Curitiba e do “constrangimento” que essa realidade provoca. Romanelli cita as manifestações da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) e da Associação Comercial do Paraná (ACP) sobre o problema, que pedem uma solução no sentido da “limpeza” da cidade. O deputado fala também da tímida atuação da Prefeitura através da Fundação de Ação Social (FAS). Leia, ouça, comente e compartilhe.

Luiz Cláudio Romanelli*

A liberal Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) e a conservadora Associação Comercial do Paraná (ACP), quem diria, uniram forças para  “exigir providências” contra os moradores de rua de Curitiba.

A Abrabar, via Facebook, foi radical: pediu a remoção à força dos moradores de rua. Suspeito que o autor do texto estivesse alguns graus etílicos acima do tolerável. A ACP também  resolveu se manifestar. Mais comedida, a entidade reclamou que  o grande número de moradores de rua em Curitiba causa constrangimento social e  problemas de higiene e pediu providências ao poder público.

As duas entidades verbalizaram o que pensa parte da elite curitibana: a saída para os moradores de rua é se livrar deles, ainda que à força, ou escondê-los para evitar o tal “constrangimento social”.

Mais do que depressa, a presidente da Fundação de Ação Social marcou uma reunião com as entidades para falar sobre as políticas públicas para o atendimento da população em situação de rua. Revelou que a Prefeitura de Curitiba  aumentou  de 615 para 1115 as vagas de acolhimento e pagou 8.670 passagens para que moradores de rua voltassem a suas cidades de origem e garantiu que a Prefeitura vai instalar um guarda-volumes próximo ao terminal Guadalupe, para armazenagem de utensílios de uso pessoal dos moradores de rua. Outra medida:  o cadastro de moradores de rua para uso de banheiros da Urbs em vários locais do Centro.

Como diz a sabedoria popular: seria cômico, não fosse trágico.

Economia

Pelas declarações da presidente da FAS, depreende-se que a cidade não tem uma política consequente de atendimento aos moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade social.  A Prefeitura não sabe sequer quantas pessoas moram nas ruas e tudo o que pretende fazer é permitir que os sem teto cadastrados usem banheiros da Urbs e guardem seus pertences em guarda-volumes.

Das declarações da presidente da FAS, apenas duas guardam bom senso:  “a questão dos moradores de rua é um problema social que atinge cidades do mundo todo e nenhum lugar até agora conseguiu resolver efetivamente a questão” e “se existe uma coisa que podemos afirmar com toda a certeza é que não é a retirada à força dessas pessoas das ruas que irá resolver este problema social” (frases que constam de material jornalístico publicado no site da Prefeitura de Curitiba).

Se não há solução definitiva, há pelo menos medidas que o poder público pode adotar. A primeira é ter um levantamento atualizado sobre quem são os moradores de rua, quantos são e por que estão na rua. Pelo visto, a FAS não tem esses dados. E se os tem, parece que titubeia em adotar ações concretas que melhorem a vida dessas pessoas.

É público e notório que muitos estão na rua por vontade própria, seja por dependência química ou por desagregação familiar, mas quantos dos moradores de rua estão nessa situação em função da crise econômica, desemprego ou porque estão em situação de miséria absoluta? São perguntas para as quais a Prefeitura parece não ter resposta.

A partir de um diagnóstico da situação, há várias medidas que podem ser adotadas para minimizar o sofrimento dessas pessoas (e não para evitar o “constrangimento social” da classe média alta curitibana). Uma delas é colocar em prática a lei 14.700, sancionada pelo prefeito em julho do ano passado, que  que institui o Programa Aluguel Social (PAS) no município. A lei prevê a concessão temporária do benefício a famílias de baixa renda que não possuam imóvel próprio e estejam em situação habitacional de emergência. Não consta que esteja funcionando ainda, mas poderia ser urgentemente implementado tendo como prioridade garantir moradia para os que estão vivendo sob marquises.

Outra medida seria reativar o Ônibus do Sopão, que foi criado pela Dona Fani Lerner e distribuía comida quente e fresca para os moradores de rua nas frias noites curitibanas. Nesse sentido, a Prefeitura poderia também priorizar o acesso dos moradores de rua ao Restaurante Popular da Praça Rui Barbosa, através de subsídio. Ah, mas pode causar constrangimento social…

Entidades como a ACP e a Abrabar, que consideram os sem teto apenas um problema de constrangimento social e estão preocupadas apenas com o próprio umbigo e outras tantas instituições como as igrejas que deveriam debater a questão e se engajar  para encontrar soluções. Não é possível cadastrar restaurantes interessados em doar as sobras de suas refeições e distribui-las aos sem teto para que eles não tenham que revirar lixeiras? Alguns já fazem isso por iniciativa própria, mas não é possível organizar uma ação sob o comando da FAS ?

Não é possível dar treinamento profissional aos que estiverem dispostos a se reinserir no mercado de trabalho? Não é possível oferecer tratamento aos dependentes químicos que aceitarem? Não há como investigar se alguns desses moradores de rua têm família disposta a acolhê-los e se há chance deles aceitarem esse acolhimento? Não é possível fazer uma abordagem com uma equipe multidisciplinar, para que os moradores de rua passem a aceitar ajuda e abrigo mais facilmente?

Tenho certeza que a Prefeitura e a FAS contam com profissionais dedicados, experientes e que fazem um grande trabalho mas me parece que falta empenho e interlocução da Prefeitura para engajar  a sociedade para que passe a ver os moradores de rua com outro olhar. Não mais com um misto de pena e nojo, ou pior, como se eles fossem invisíveis ou parte da paisagem

A cidade de Nova Iorque tem 60 mil sem teto, dos quais mais de 25 mil são crianças, segundo o site na internet da Ong Coalizão para os Sem-teto. Dados que são confirmados pela prefeitura da cidade. Em Nova York,  14.500 famílias vivem em abrigos e um quarto dessas famílias têm pelo menos uma pessoa trabalhando em tempo integral – e ainda assim eles não podem pagar o alto custo de um apartamento  na cidade. A ONG Coalition for the Homeless considera que estabilizando as pessoas através de abrigos, dando-lhes moradias e implementando programas de assistência para mantê-las em suas casas, é possível não apenas reduzir, mas eliminar as pessoas sem abrigo em Nova Iorque.

Será que ao menos não podemos ter iniciativas semelhantes aqui?

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PMDB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.

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