Coluna do Reinaldo de Almeida César: “Uma legião de imbecis”

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Em sua coluna desta quinta-feira (25), o delegado da Polícia Federal, Reinaldo de Almeida César, retoma a afirmação de Umberto Eco de que a internet deu voz a “uma legião de imbecis”. Ele comenta a polêmica em que a Polícia Militar do Estado de São Paulo se envolveu ao publicar a foto de uma criança fardada. Segundo Reinaldo, a trabalho policial é honrado e merece ser valorizado, por isso não há mal nenhum em vestir uma criança como policial, assim como não há mal em usar roupas que representem outras profissões. Para ele, e repercussão negativa da foto, inclusive a evocação do Estatuto da Criança e do Adolescente, são reações equivocadas de quem não dá valor ao trabalho da polícia. Ele completa dizendo que o único erro da PM-SP foi ter retirado a foto da rede após a polêmica. Leia, comente e compartilhe.

Reinaldo de Almeida César*

Ainda na Faculdade de Direito, lá pelos idos de 1980, li “O Nome da Rosa” que, além da cativante leitura, também nos permitia uma discussão lateral sobre o sistema acusatório no processo.

Depois, fui tragado pelo mistério místico de “O Pêndulo de Foucault” que parece ter sido, anos mais tarde, a real fonte de inspiração para o sucesso de Dan Brown.

A verdade é que, ao reinventar a literatura no país de Dante, o genial Umberto Eco, na mais perfeita mistura de escritor, filósofo e professor de semiótica, foi sempre provocante, inquieto, instigador do bom debate.

No ano passado, ao receber mais uma merecida comenda, desta feita na Universidade de Torino, Umberto Eco fulminou o mundo da intenet, dizendo que a rede social permite que as pessoas permaneçam em contato entre si, mas que também deu o direito de palavra a uma “legião de imbecis”.

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Para o magistral professor italiano, antes da web, esta “legião de imbecis” discutia os assuntos depois de uma taça de vinho em um bar, agora, na rede, tem o mesmo direito de palavra daqueles que ganharam Prêmio Nobel.

A lancinante observação passou em brancas nuvens por aqui.

Também pudera, neste país de sol e mar, onde o fenômeno de massa atende pelo nome de Wesley Safadão e onde o clássico do carnaval foi a onomatopeia de uma rajada, o agudo comentário de Umberto Eco não haveria mesmo de ser nem de longe notado.

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Meus abespinhados botões me cutucam, perguntando-me se nesta “legião de imbecis” não devemos incluir, em lugar de destaque, diga-se, os atentos internautas que, há alguns dias, agitaram as redes sociais criticando o fato da comunicação social da PM de São Paulo, no facebook e no twitter da corporação, ter postado a foto de uma criança fardada, segurando cacetete e algemas, acompanhada de uma hashtag muito bem sacada, #podeconfiarpmesp.

Forças de polícia precisam ser admiradas, respeitadas, reconhecidas e não temidas pela população. Devem ser valorizadas, bem pagas, efetivamente prestigiadas pelo governo.

Policiais e bombeiros, na sua imensa maioria, tem vida digna, família, filhos, contas a pagar no final do mês. Já disse e repito, é a única categoria do serviço público que, ao tomar posse, se compromete a oferecer a própria vida no cumprimento do dever.

Em países avançados, forças policiais são reverenciadas pela população. Policiais mortos em serviço ou aposentados são considerados heróis. Nestes países, em lojas de souvenir, é comum encontrar camisetas, bonés, canecas e chaveiros com brasões e marcas das instituições policiais e dos bombeiros, que são comprados e ostentados, com orgulho, por turistas e por cidadãos nativos.

Sir Paul McCartney, que tem nos levado a loucura nos últimos cinquenta anos, estava na pista, quase decolando, quando viu o horrendo quadro das torres gêmeas desabando. Ordenou que o piloto retornasse ao hangar, cancelou a viagem, organizou um megashow com os mais caros popstars da época.

Além de não cobrarem qualquer cachê, os artistas fizeram a renda ser integralmente revertida às famílias dos policiais e bombeiros vitimados na desumanidade terrorista do onze de setembro. A história nos conta que Jim McCartney, pai do nosso Paul, foi bombeiro voluntário em Liverpool, durante a segunda guerra.

Lembro-me que na minha infância, um dos brinquedos mais desejados era um “kit de polícia”, com capacete, algemas, cinturão e cacetete. Devolvo a apoquentação aos meus botões para indagar-lhes se quem chorou de alegria ao ganhar o desejado kit em um Natal qualquer, hoje é conhecido delinquente ? Jovens do hoje que, em certo momento e por algum período, jogaram alguma fase do Call of Duty serão criminosos no futuro ?

Meu querido filho, quando completou dois anos, ganhou de presente uma camiseta operacional da Polícia Federal, feita sob medida para ele, uma autêntica réplica do uniforme preto e dourado da PF que aparece todos os dias no Jornal Nacional.

Depois que ele colocou a camiseta, não quis mais tirar. Era um enorme sucesso aonde ele ia. Quantas vezes, passeando em parques, em restaurantes, em aeroportos, um desconhecido me parava para perguntar onde eu a havia comprado.

Quem a mandou fazer sob medida e presenteou o meu filhote, foi uma das mais honradas figuras que conheci na PF, o Delegado Getulio Bezerra, lenda viva da instituição, pensador e formulador da doutrina de enfrentamento ao crime organizado e que formou várias gerações de policiais, lecionando na Academia.

O professor e delegado Getulio Bezerra sempre foi um policial duríssimo da linha de frente, no combate ao narcotráfico. Porém, por trás dessa dureza, sempre escondeu uma personalidade quase tímida, mas muito amorosa, de dedicado pai e amante da boa música, da prosa de Ariano Suassuna e dos menestréis pernambucanos.

Desejava ele mal ao meu pequenino filho, ainda em tenra idade, quando o presenteou com a camiseta ?

Em julho de 1990, tivemos uma conquista muito importante, com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação de vanguarda a proteger aqueles que ainda não completaram doze anos, ou aqueles que estão na faixa etária dos doze aos dezoito anos.

Agora, evocar o Estatuto para constranger a PM de São Paulo pela postagem de criança fardada, é transformar o ECA numa eca.

A PM de São Paulo errou.

Não, não errou na postagem da foto da linda criança fardada, quase um modelo perfeito dos antigos bebês johnson.

Errou em retirá-la, depois das ignaras observações da “legião de imbecis”.

*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.

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