Artigo de Flávio Lyra: “O Banco Central e as duas moedas”

O economista Flávio Lyra, em artigo especial, explica como os ricos fogem de perdas inflacionárias e protegem sua poupança, enquanto os pobres sofrem com perdas: "a grande maioria da população não tem como fugir aos custos da desvalorização da moeda comum, pois seu poder de compra varia inversamente ao valor da moeda. Já os ricos, não precisam ter maiores preocupações com a perda de valor dos Títulos do Tesouro nos quais aplicam suas poupanças", diz o economista ao site “Desenvolvimentistas”; abaixo, leia a íntegra do texto.
O economista Flávio Lyra, em artigo especial, explica como os ricos fogem de perdas inflacionárias e protegem sua poupança, enquanto os pobres sofrem com perdas: “a grande maioria da população não tem como fugir aos custos da desvalorização da moeda comum, pois seu poder de compra varia inversamente ao valor da moeda. Já os ricos, não precisam ter maiores preocupações com a perda de valor dos Títulos do Tesouro nos quais aplicam suas poupanças”, diz o economista ao site “Desenvolvimentistas”; abaixo, leia a íntegra do texto.
por Flavio Lyra*

Aprendemos nos textos de economia que o Banco Central é o guardião do valor da moeda. Elemento primordial na vida econômica de um país, tanto a perda de valor da moeda (inflação), quanto sua valorização (deflação) acarretam grandes problemas ao bom funcionamento da economia, na medida em que desorientam as decisões dos agentes econômicos.

Depois que o Brasil adotou o chamado regime de metas de inflação, no final do governo de FHC, no qual a taxas de juros dos títulos da dívida pública, tem sido o instrumento primordial de combate à inflação, nosso Banco Central tem a seu cargo a administração do valor de duas moedas: a moeda que constitui o meio circulante comum e a moeda Títulos do Tesouro Nacional, aquela a que somente têm acesso os detentores de saldos positivos de moeda comum, o conhecido real, aplicáveis na segunda moeda, uma espécie de “moeda dos ricos”

Nas condições endêmicas de inflação em que temos vivido, poder dispor da moeda Títulos do Tesouro, é sem dúvida um grande privilégio, pois esta não se desvaloriza e ainda rende uma taxa de juros positiva, que permite valorizar o patrimônio de quem a detém, com riscos muito reduzidos.

Por certo, que a grande maioria da população não tem como fugir aos custos da desvalorização da moeda comum, pois seu poder de compra varia inversamente ao valor da moeda. Já os ricos, não precisam ter maiores preocupações com a perda de valor dos Títulos do Tesouro nos quais aplicam suas poupanças. Pelo contrário, a inflação para estes tem sido frequentemente um bom negócio, pois o guardião da moeda, o Banco Central, em sua atuação frenética para controlar o aumento dos preços, tende sempre a manter alta a taxa de juros que remunera os títulos públicos.

A dívida pública é conformada pelo estoque dos títulos da dívida pública e esse estoque tende a crescer por meio de dois mecanismos: o aumento da taxa de juros e a existência de déficit público primário (quando o governo gasta mais em investimento e em consumo do que arrecada).

Economia

Durante muitos anos o país não apresentou déficit público. Pelo contrário, apresentava superávit, o que permitiu a dívida pública diminuir como percentagem do PIB. Não diminuiu muito, porém, pois as taxas de juros consideradas adequadas para alcançar as metas de inflação, impediram grandes reduções.

É interessante e mesmo paradoxal que o Estado tenha uma atuação contraditória em relação ao tamanho da dívida pública. Quando ocorre um déficit primário, o Tesouro Nacional vende títulos da dívida pública para cobrir a diferença negativa entre a Receita e a Despesa. Quase que simultaneamente o Banco Central, compra o excesso de Títulos do Tesouro em poder do público, para evitar que a taxa de juros caia e prejudique alcançar a meta de inflação.

Mas quem paga o custo de manter essa moeda (Títulos do Tesouro), que se desvaloriza durante a inflação? Evidentemente, o povão! A dívida pública nada mais é do que uma obrigação que o Estado assume para com os ricos de pagar-lhes no futuro os valores que lhes toma por empréstimo em troca de títulos da dívida pública. De fato, o Estado cria uma moeda que serve para valorizar o patrimônio dos ricos.

Quando parte da dívida pública é contraída para financiar um déficit primário, como acontece atualmente, se a taxa de juros é razoável, pode valer a pena para a população, pois o déficit fiscal é resultado da compra de bens e serviços pelo governo, que a receita não permite cobrir. Esta parte se transforma em demanda que aumenta a produção, o emprego e a massa de salários para a população.

Quando, porém, a maior parte da dívida pública é contraída para pagar juros, como tem sido tradicionalmente, não há qualquer vantagem para a maioria da população, pois o aumento da dívida só se presta para concentrar a renda nas mãos dos mais ricos, dos que dispõem de poupança para emprestar.

Em síntese, o uso da taxa de juros da dívida pública (a SELIC) para controlar à inflação, como parte do regime de metas de inflação que o país utiliza, acaba sendo um mecanismo altamente perverso de concentração da renda nas mãos dos ricos, numa verdadeira expropriação dos ricos contra o povo, intermediada pelo Estado. A tão badalada Lei de Responsabilidade Fiscal, que cria uma barreira ao gasto público e uma reserva financeira para pagar os juros da dívida pública é a principal arma para assegurar a valorização da moeda dos ricos à custa dos pobres. O Banco Central do Brasil tem sido muito eficiente para valorizar a moeda dos ricos, porém muito ineficiente para preservar o valor da moeda dos pobres.

*Flavio Lyra é economista da escola da UNICAMP. Ex-técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Artigo originalmente publicado no site Desenvolvimentistas.

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