Coluna do Rafael Greca: O rio Iguaçu pede o seu voto e a sua luta

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Em sua coluna semanal, Rafael Greca (PMN) historia o abastecimento de água de Curitiba desde 1693, quando a Câmara destinou o rio Ivo para manancial, e condenou o Belém a receber esgotos. Refere que o saneamento urbano efetivo começou em 1883, com a proibição de fossas a céu aberto. E relata a atual degradação do rio Iguaçu, denunciando poluição industrial, de lixo urbano e o que chama de Palafitas Curitibanas, na foz do rio Barigui. Greca propõe o resgate ambiental e a preservação dos mananciais para os que vão nascer. Leia, ouça, comente e compartilhe.

Rafael Greca*

No começo da povoação de Curitiba, entre 1693 e 1721, ficou definido, por postura da Câmara Municipal, que o abastecimento de água pura seria por nascentes e junto ao vale do rio Ivo. E no rio Belém, pobrezinho, acabariam despejadas as águas servidas. Começava a contaminação do rio Iguaçu.

Até 1870, o abastecimento de água potável da cidade dava-se por quatro fontes, então chamadas “Cariocas”.

Foi quando a Câmara Municipal decidiu instalar um chafariz em ferro lavrado, no então chamado Largo da Carioca da Cruz, ou Largo da Ponte do rio Ivo. Equipamento utilíssimo abençoado pelo padre Agostinho Machado Lima no dia 8 de setembro de 1871, durante a festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Em 1883, postura municipal proibiu fossas abertas para receber efluente de esgoto. Começavam as preocupações com a higiene e o correto saneamento.

Em 1888 foi contratada  empresa sanitária para remover dejetos das fossas. Surgiu o carroção limpa fossas, dirigido por posudo italiano, “il signore Casagrande”, que o povo logo apelidou de “Barão da Merda”. Isto porque vestia fraque e cartola nas rédeas de seu carroção de barricas de madeira repletas de dejetos.

Economia

A água encanada só chegou a Curitiba em 1909, com o reservatório do Alto de São Francisco, a partir do encanamento, com canos de ferro belga — desde Piraquara — dos chamados “Mananciais da Serra”. Em um ano da companhia de águas e esgotos já somava ligações em 1.148 casas de família com o serviço.

Em 1917 a companhia de saneamento foi encampada pelo Governo do Estado, que faz vultuoso empréstimo em libras esterlinas para melhoramentos.

Em janeiro de 1963, o governador Ney Braga criou a Sanepar, Companhia de Saneamento do Paraná, que recebeu outorga de exploração dos serviços na capital, do então prefeito Ivo Arzua Pereira.

A grande Curitiba, a capital e sua região metropolitana cresceu e espraiou-se no planalto, esplêndido berço do rio Iguaçu. O “Y Guaçu”, Rio Grande, na linguagem dos índios.

A região tem perto de 5 mil nascentes, córregos, arroios. Não vale xingá-los de valetões. Todos alimentam os rios que formam o Iguaçu: Piraquara, Iraí, Palmital, Atuba, Tarumã, Bacacheri, Juvevê, Belém, Ivo, Barigui, Passaúna, Miringuava, rio Verde, entre outros cursos d’água.

Chuvas intensas localizadas sempre provocam grandes e inesperadas cheias. Na falta de células e canais eficientes de drenagem superficial sobrevém alagamentos. Um problema a mais que sempre desafiou e esteve presente na história urbana de Curitiba.

Na nossa gestão da Prefeitura de Curitiba (1993-1996), com orientação do engenheiro sênior Nicolau Kluppel, expert na hidrologia local, empreendemos intensa e extensa obra de canalizações, saneamento, drenagem e dragagem dos rios formadores do Iguaçu, através de uma eficiente secretaria municipal de Saneamento.

Na época cavamos os canais extravasores, dos dois lados do rio Iguaçu. E dragamos sistematicamente todos os rios formadores do Iguaçu.

Começamos, no córrego Tarumã, no Jardim Social, junto ao Bosque de Portugal, o trabalho de inspeção do despejo de dejetos sanitários no curso do rio. Despejávamos fenolftaleína, corante vermelho, nas patentes, e conferíamos se a cor do perigo chegava até o rio. Daí desligávamos a ligação clandestina. Isto numa região já provida de rede de esgoto sanitário, mas ainda com a população sem consciência de que não se lança esgoto em galerias de águas pluviais, ou diretamente nos rios.

Ganância e inconsciência ainda são problemas da nossa sociedade.

Este mês, meu amigo José Álvaro Carneiro, já dirigente do Ibama, volta a contemplar o rio Iguaçu com seu olhar preservacionista.

É a terceira vez que o ambientalista curitibano, também executivo do Hospital Pequeno Príncipe, navega pelo rio que nasce onde nascemos. Em 1994,então Prefeito, inspirei a primeira expedição da era moderna, na descida de todo curso do Iguaçu, desde suas nascentes até as Cataratas. A descida curiosa do rio repetiu-se em 2002, e agora.

Zé Alvaro, vários fotógrafos e cientistas desceram o rio Iguaçu, documentando belezas e também  degradação ambiental. Isto virou uma exposição na Casa Vermelha, no Largo da Ordem, depois apropriada pelo governador Jaime Lerner no Museu Regional do Rio Iguaçu, junto à usina Copel em Salto Segredo.

Transformei o relato da expedição no meu “Poema ao Iguaçu”.

A obra literária inspirou os artistas Rogério Dias e Lycio Esmanhotto no belíssimo painel cerâmico “Rio Iguaçu”, que mandei afixar no muro entre o Palácio Iguaçu e o que seria depois o Museu Oscar Niemeyer. Todos nós, já naquele tempo, tínhamos o sentimento de que o Iguaçu não deveria conhecer o flagelo das espumas e da contaminação indesejada.

Pois bem, hoje estamos mal na foto deste filme queimado. Ao atravessar a Região Metropolitana de Curitiba, o rio Iguaçu recebe o esgoto doméstico da grande cidade que possui mais de 2 milhões de habitantes. Há um escandaloso processo judicial contra dirigentes da Sanepar por isso.

Ao deixar Curitiba, o rio Iguaçu apresenta-se quase que morto, pela presença de poluição provinda dos esgotos e do lixo que já acumulam nas suas várzeas dejetos de ferro, mercúrio e manganês.

Nota-se, também, a presença de lixo plástico boiando, de espumas residuais de poluição industrial, na triste paisagem atual do rio que nasce onde nós nascemos e crescemos.

Zé Alvaro Carneiro, sobre isto, disse-me algo definitivo: “o rio Iguaçu só é sujeito nas Cataratas, no restante de seu curso é objeto.”

A recente e amarga tragédia do desastre ecológico do rio Doce, com a provável condenação da cidade de Governador Valadares, de 250 mil habitantes, já privada de seu abastecimento de água pela morte do seu rio sufocado pela lama tóxica, nos pede redobrada atenção com o resgate do Iguaçu. As lágrimas amargas do rio Doce, a incúria das empresas Vale e BHP Billiton no consórcio Samarco, não podem, nem devem, se repetir por aqui.

Poucos sabem que o vale berço do Iguaçu já abriga Palafitas Curitibanas (foto), tão desumanas e cruéis quanto as favelas suspensas dos igarapés de Manaus.

E fica lá, onde a propaganda oficial da “Prefs” garante ter instalado o novo Parque do Bugio, na altura da Caximba. Será que o prefeito Fruet conhece o local? Nem capivaras o frequentam. Parece que não, porque qualquer governante irmão de sangue da sustentabilidade, não deixaria degradar ainda mais a cena degradada além da viela conhecida por Bairro dos Cruz.

Última fronteira curitibana, a favelização da foz do rio Barigui, sobre palafitas, junto ao caudal do Iguaçu, confirma o filme fotografado pelo poeta Emílio de Menezes em 1909: “a cidade cresce, e os pobres como sapos são empurrados cada vez para mais longe”.

Lá, onde o bom senso se fez plano diretor, projetaram uma área de preservação permanente, pelo menos 3.500 pessoas vivem em condições sub-humanas.

Estive lá e testemunho: as ruas são aterradas com lixo queimado; nos aguapés, o lixo, o chorume e o esgoto se acumulam; sapos resistentes pulam; as últimas narcejas e saracuras voam; e os ratos desta falta de urbanismo transmitem, com todo ódio ao que é humano, a leptospirose.

A incompetência criou um pântano venenoso. O esgoto é lançado “in natura” nas lagoas. Ou agimos logo, agimos amanhã, ou perderemos muito tempo e muitos recursos para arrumar.

A atual prefeitura de Curitiba, ocupada por erros estratégicos, não colocou sequer caçambas de lixo nas entradas da ocupação. E o Ministério Público do Meio Ambiente, nada fez contra este descalabro até agora, até onde se sabe.

A próxima gestão da Prefeitura de Curitiba terá duas operações urgentes a executar: 1ª) aplicar as lições curitibanas de boa ecologia para livrar o vale berço do rio Iguaçu de contaminação; e 2ª) reservar o máximo possível das matas nativas, banhados, cavas e várzeas do Iguaçu e seus afluentes, para parques mananciais.

Destas operações renascerá o Rio Iguaçu sujeito de nossa História, e não mais objeto da inconsciência dos homens e dos governos apegados ao poder sem nada fazer.

*Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba, é engenheiro. Escreve às quartas-feiras no Blog do Esmael sobre “Inteligência Urbana”.

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