Coluna do Rafael Greca: Curitiba sem botão de socorro

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Em sua coluna semanal, Rafael Greca fala da falta de segurança pública. Ele cita os assassinatos de três jovens em Curitiba no último fim de semana. Ocorridos em bairros tão diferentes como Batel, Tarumã e Sambaqui, os crimes mostram que a cidade está abandonada e não há cuidado por parte da prefeitura ou do governo do Estado. Leia, ouça, comente e compartilhe.

Rafael Greca*

Na noite da última sexta, 16, ferviam os bares e fervilhavam as ruas do Batel. As calçadas da Vicente Machado, Carlos de Carvalho e praça da Espanha estavam em superlotação. Noite amena, 18º C, sem chuva. No ar, a doce expectativa da paixão, para muitos jovens a única diversão possível na crônica falta de um lazer orientador.

Olhando pela janela, o bairro parecia vivo, alto astral, ponto de encontro gerador de ânimo, anima e renda, um local por certo merecedor de atenção e que deveria estar cercado de cuidados e muito bem protegido, como deve acontecer em pontos de concentração.

Contudo, no começo da madrugada sobreveio a tragédia: um aziago tiroteio.

Na ex-alameda Taunay, entre a Vicente Machado e a Carlos de Carvalho, tombou Mateus Godoy Bueno, de apenas 16 anos, alvejado por 4 tiros. Foi supostamente executado por traficantes.

O jovem chacinado tombou embaixo de um outdoor com uma foto da “Tour Eiffel” de Paris, cena que nos remeteu às viagens internacionais do nosso governador Beto Richa, fora do Paraná há 10 dias.

Economia

Apenas a mãe chorou pela vida abreviada do filho assassinado. Triste. Outros dois jovens, personagem do mesmo trágico acerto de contas, foram recolhidos ao Evangélico, com gravíssimos ferimentos. Lamentável.

A sensação de insegurança não impera apenas no cobiçado Batel. A insegurança pública está generalizada, distribuindo o horror e a dor também em outros pontos de Curitiba.

Como no Tarumã, onde outro jovem, Dionatan Henrique Peruzzo, de 19 anos, tombou morto a tiros, ao amanhecer de sábado, na saída da balada country Victória Villa.

Como no Sambaqui, entre o Bairro Novo e Vila Osternack, onde o taxista William Felipe Cardoso, de 23 anos e apenas três meses na praça tombou esfaqueado nas costas, no pescoço e no abdômen, no último domingo.

Estamos vivendo dentro uma série de terror?

A Polícia, ou o que sobrou da Polícia, apareceu apenas para fazer o B.O…

Digo “o que sobrou da Polícia”, porque sabemos que o Paraná tem o 2º menor número de PMs por Habitante no Brasil: 1 PM para cada 630 paranaenses — abaixo da média nacional de 1 PM para cada 473 habitantes.

No Brasil, o Paraná está em penúltimo lugar no número de efetivo policial por habitante, a frente apenas do Maranhão.

A origem das palavras vai além da explicação do significado, ensina a finalidade que originou as mesmas. Polícia, por exemplo, vem de Polis, cidade em grego. Era Polis no mundo grego e Civitas no mundo romano.

Assim, policiar e civilizar têm a mesma radicalidade, a mesma raiz, são a mesma coisa. Por isso, o fazer político e o ato civilizador são filhos da mesma luz providencial.

Esta visão ajuda a clarificar o papel de uma prefeitura na segurança pública; a ação de um prefeito também policia, civiliza a área urbana. E este tipo de policiamento jamais será eficiente se a ação do prefeito for vaga, vazia, por desatenção, omissão e ausência do poder municipal no local.

Governar é estar presente nos espaços e de olhos bem abertos para agir no foco dos problemas. Não é ficar longe do povo. É estar onde o povo fica. Governar é um ato de prudência. Um governante distraído, desgoverna.

Em 2007, na cidade de Nápoles, participei como palestrante convidado, ao lado de prefeitos de várias capitais do mundo, de um Fórum de Urbanismo, promovido pelo UniCredit, banco europeu.

Na ocasião, Rudolph Giulliani, o famoso prefeito de Nova York (1994-2001), detalhou seu projeto Tolerância Zero contra o Crime: – “tolerância zero é a ação da polícia no instante do crime. Capaz de agir até preventivamente ao ato do crime”.

“Quando uma câmera de vigilância eletrônica estiver focada num ponto crítico, ao menor movimento suspeito do criminoso em potencial, a polícia deve estar lá para coibir. Se não for possível, a Polícia deve pegar a mão que rouba ou dispara, no flagrante delito”, aconselhou Giulliani.

Portanto, diferente da interpretação selvagem e violenta, Tolerância Zero não é um sistema feito para distribuir porrada, mas um sistema de atenção redobrada, onde combate-se os vícios na raiz formadora do pesado círculo criminal; vícios que aparecem como sinais de alerta.

Só não vê quem não sabe o que quer.

No Brasil, o efetivo insignificante das polícias locais, somado ao fetiche por equipamentos de segurança — objeto de pacotes de corrupção governamental ou empresarial —, reduziram o “tolerância zero” ao mero registro das ocorrências ou a ação policial desabusada, não civilizadora, sem dó ou piedade.

Sequer estuda-se a vitimologia, coisa que os bandidos estão espantosamente a observar. A Scotland Yard sublinhou este fato nas recomendações aos britânicos que viriam ao Brasil para a fatídica Copa de 2014; afirmaram que o bandido brasileiro observava tão bem suas vítimas que até mesmo sabiam quanto cada presa poderia estar carregando de dinheiro.

Enfim, desperdiça-se uma imensa quantidade de informações policiais para análise e decisão.

A solução da insegurança passa pelo estudo da vítima, que pode muito bem reinventar a atividade policial em sua essência: o olhar policial deve ser mais forte, mais rápido e mais inteligente do que o dos bandidos.

Esta visão fundamental faz falta ao Governo do Paraná e também à Prefeitura de Curitiba, poderes atualmente lotados por ações desfundamentadas e sem a devida seriedade.

Ultimamente dedicada a promover a irreverência como se circo fosse, a infrutífera “Prefs” dedica-se a coisas tipo “Vinada Cultural”, as “vinas”, assim chamadas desde o século 19 as “Wienerwursts”, salsichas vienenses.

A auto denominada “Prefs” deixa enferrujar também a Guarda Municipal, que sucateada ameaça a greve como último recurso. E promove a série “Vi…Nada, Fruet”.

Junto com repetidas ameaças de greve, os GMs revelam a triste ruína: anseiam por justo pagamento das “horas extras trabalhadas”, estão sem conservação boa parte do arsenal de armamentos, 30 carros da corporação, além das bicicletas — o que, convenhamos, é um vexame duplo para uma gestão que se diz tão ciclista.

Com a PM e a Guarda Municipal sem condições e fora de combate, os cidadãos de Curitiba precisam reforçar suas orações ao Arcanjo São Miguel. O Anjo Custódio parece ser o único em prontidão, capaz de responder — ao pressionarmos o botão de socorro — dizendo no jargão policial: “positivo e operante”.

*Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba, é engenheiro. Escreve às quartas-feiras no Blog do Esmael sobre “Inteligência Urbana”.

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