Coluna do Reinaldo de Almeida César: “Arranja dois pau pra eu”

reinaldo_vava_richaReinaldo de Almeida César*

Corria o ano de 2007 e a Polícia Federal botou seu bloco na rua com mais uma operação arrasa quarteirão.

Denominada “Xeque-Mate”, de repressão ao jogo ilegal, caça-níquel e videobingo, a operação fez descer para as carceragens da PF mais de 80 pessoas e indiciou mais de 100, tendo como principal palco de operações a cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Na investigação, foram presos Dario Morelli e um ex-deputado estadual do Paraná chamado Nllton Cezar Servo. Este último, aliás, era até uma figura de bom papo, agradável, quando andou por aqui, pela nossa Alep, na década de 1990. Até aí, nada demais, foi mais uma das centenas de operações da PF, executada com sucesso e com o aplauso da sociedade.

O que chamou mesmo a atenção, à época, foi que ela quase custou o pescoço do Diretor-Geral da PF, o Delegado Paulo Lacerda, o mesmo que havia comandado as investigações que derrubaram PC Farias e Fernando Collor.

O alvoroço todo ocorreu, porque um dos presos, Dario Morelli, possuía uma casa de bingo no litoral de São Paulo e era amigo muito próximo do então Presidente Lula. Haviam feito amizade há mais de vinte anos, em vizinhança no ABC, em São Paulo. Lula seria, inclusive, padrinho de batismo do filho de Morelli.

Economia

O honrado Paulo Lacerda conhecia todo o planejamento e os detalhes da “Xeque-Mate”, mas, para preservar o sigilo das investigações, só comunicou ao Ministro da Justiça Tarso Genro que a operação estava sendo deflagrada, no início da manhã em que ocorreram os cumprimentos dos mandados de busca e as prisões.

Aí é que o bicho pegou.

Entre os mandados de busca a serem cumpridos, um deles era na residência de Genival Inacio da Silva, o “Vavá”, um dos 15 irmãos de Lula. Preocupado com a repercussão, Tarso Genro informou imediatamente por telefone ao Presidente Lula, que se encontrava na Alemanha.

Vavá, como era conhecido, foi flagrado em meia dúzia de conversas com os cabeças do grupo criminoso, nada tendo de concreto em seu desfavor, nas investigações. Não havia mandado de prisão contra ele, e as buscas em sua casa resultaram na apreensão de quatro ou cinco papéis que depois foram desprezados por não guardar nenhuma relação concreta com os fatos em apuração.

Soube-se então, que Vavá sonhava em ser um grande lobista. Sem nenhuma estampa ou charme próprio dos lobistas, tinha grau cultural e de estudo limitados, sempre se vestindo de forma despojada. Algum tempo antes da operação, a VEJA, que nunca morreu de amores por Lula e pelo PT, havia feito um perfil de Vavá. Na matéria, Vavá foi descrito como sendo um lobista caricato, que tinha seu gabinete numa saleta em São Bernardo do Campo, sem computador, onde o único instrumento de trabalho era um fax. Nem secretária tinha. Era um lobista em versão Peter Sellers.

Até o genial Elio Gaspari, que também nunca foi acusado, a qualquer tempo, de ser jornalista chapa-branca a serviço de Lula, escreveu um belo texto por aqueles dias, intitulado “Vavá está sendo linchado”.

A inclusão de Vavá na operação da PF só aconteceu porque ele trocou meia dúzia de telefonemas com os líderes da organização criminosa. Boquirroto, jactando-se de contatos que não tinha, oferecia serviços e facilidades que jamais entregaria, sempre articulando com dificuldade o português ao telefone.

Num desses diálogos captados pela PF, ele pede ao interlocutor: “Arranja dois pau pra eu”.

Atenção, tratava-se de dois mil reais. Isso mesmo, você leu bem, dois mil reais. Como definiria Roberto Jefferson, anos mais tarde, um “petequeiro”.

Esta frase – simbólica e cômica por si mesma – entrou para o vasto repertório de histórias das operações da PF, que são contadas e recontadas, em estudos de casos na Academia da PF.

Lembrei dessa história pelo que estamos assistindo, atônitos, ser revelado na belíssima investigação do GAECO em Londrina.

A diferença é que, agora, alguém botou mil por cento em cima do número.

Virou dois milhões. Mas, a frase que ficou eterna, “arranja dois pau pra eu”, cá pra nós, cai como uma luva. Ou como uma divisória de compensado cortada na medida.

*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.

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