Coluna do Luiz Cláudio Romanelli: “Partido que não faz eleição, não pode participar da eleição”

 

romanelliLuiz Cláudio Romanelli *

Não há democracia sem partidos políticos. A essência da democracia reside na garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, na existência dos partidos políticos, em eleições periódicas e no voto universal. Só quem não viveu sob a ditadura defende o fim dos partidos.

O antipartidarismo expresso nas manifestações de rua revela o distanciamento entre partidos e a sociedade, e é motivado, em grande parte, por uma legislação falha e pela desqualificação dos partidos e dos políticos – generalizando-se pela sociedade a ideia que todos são corruptos.

No momento em que se reabre a discussão sobre a reforma política, defendo que é preciso primeiro pensar em uma nova lei orgânica dos partidos políticos. É necessário evitar a proliferação dos “partidos de mentirinha”, como bem definiu o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. Enquanto não houver democracia interna nos partidos, com realização de convenções periódicas, regulamentação do financiamento e criação de cláusulas de barreira, continuaremos tendo siglas de aluguel, sem identidade programática.

Por paradoxal que pareça, em relação à legislação partidária, na ditadura vigia a democracia, na democracia vige a ditadura. Explico:

Economia

A Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1971 (Lei 5.682) definia os partidos como pessoas jurídicas de direito público interno. Embora contivesse algumas excrescências, como a tutela da Justiça Eleitoral sobre os partidos, entre outras, a lei previa a realização de convenções partidárias periódicas, para eleição dos diretórios municipais, estaduais e nacional. A lei regulamentou o chamado fundo de assistência aos partidos, vedando o recebimento de contribuição de empresa privada. O partido só poderia pleitear sua organização se contasse com 5% do eleitorado que houvesse votado na ultima eleição para a Câmara dos Deputados. Era uma lei que assegurava democracia interna nos partidos.

Com o advento da Constituição de 1988 e a edição da Lei 9.096/95 os partidos passam a ser definidos como pessoas jurídicas de direito privado, estabelecendo-se um regramento mínimo, dando-lhes autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento. A nova regra manteve o fundo partidário e passou a permitir doações. Fixou a necessidade de comprovação do apoio de eleitores correspondente a 0,5% dos votos dados na última eleição para a Câmara, não computados os votos brancos e nulos.

A lei em vigor não exige que os partidos exercitem a democracia interna, através de eleições para os diretórios – o resultado é que comissões provisórias se perpetuam no comando. É preciso acabar com cúpulas partidárias que se mantém por manipulação de comissões provisórias. Filiado que não vota, partido que não faz eleição, que não escolhe seus próprios dirigentes, não pode participar de eleição, ou seja deveria ficar proibido de lançar candidatos, passando a exercer uma função meramente administrativa, sem tempo de TV, sem fundo partidário, até que cumprisse o jogo democrático.

A legislação passou também a permitir doações de pessoas jurídicas e, como o diabo mora nos detalhes, abriu as portas para que bancos, empreiteiras e grandes empresas passassem a financiar candidatos sem vincular-se a eles, de maneira oculta, e por consequência, para o abuso econômico e a promiscuidade nas eleições do Legislativo e Executivo.

Ao diminuir as exigências para criação de partidos, a lei criou um monstro, incentivou a criação de legendas de aluguel – mais um dos fatores que contribuem para a degradação da imagem da democracia representativa.

As manifestações dos últimos dias revelam a insatisfação de vários setores da sociedade com o modelo político brasileiro. É a oportunidade para que governos, partidos e os políticos se renovem, interajam mais com a sociedade, e reorientem suas agendas. É também, e muito especialmente, o momento para uma nova legislação que regule e democratize a vida partidária, para que seja feita a reforma política tantas vezes protelada.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PMDB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.

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