Mino Carta: Bo-li-va-ria-no, eu?

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por Mino Carta, na CartaCapital

O besteirol anda solto a serviço do mofado elitismo golpista e exibe o atraso cultural do País

Pergunto aos meus botões, tomado pela dúvida: Serei eu um bolivariano?! Em silêncio, me encaram entre atônitos e perplexos. Insisto: Seria por leviandade, inconsciência, irresponsabilidade, ou por convicta adesão ideológica?! Respondem em coro, alto e bom som: bo-li-va-ria-no. Três vezes seguidas. Ao cabo, gargalham.

De fato, a situação criada pelos derradeiros ruídos e senhas da política nativa seria simplesmente cômica se não tivesse seu lado dramático ao exibir primarismo, ignorância, grosseria, juntamente com arrogância e prepotência. Não disse trágico porque a tragédia tem outra dimensão, outra imponência em relação ao drama. Em todo caso, no palco estamos credenciados à  encenação da farsa, ou da ópera-bufa.

Entre as personagens na ribalta, grandioso o desempenho de Gilmar Mendes, a prometer em memorável entrevista de página inteira na Folha de S.Paulo de segunda 3 a iminente transformação do STF em corte bolivariana. O que ele teme é a chegada ao Supremo dos novos integrantes nomeados por Dilma Rousseff, esquecido talvez que outros indicados anteriormente por Lula ou pela presidenta jamais aparentaram fé bolivariana.

Economia

O problema do STF é outro. Na cúspide da pirâmide da Justiça brasileira, representa-a à  perfeição na sua mediocridade a serviço não da deusa vendada, e sim da casa-grande. à‰ do conhecimento até do mundo mineral que no País só a choldra da senzala vai para a cadeia. O que está sempre em jogo são as consequências de três séculos e meio de escravidão, cujas raízes permanecem difíceis de extirpar. Quem defendeu a erradicação faz tempo era chamado de comunista, hoje a palavra mofada é substituída por bolivariano.

Estranho, muito estranho. Os caminhos da inclusão foram perseguidos pelo capitalismo nas mais diversas latitudes, em proveito da produção, ao sabor dos parâmetros éticos definidos por Adam Smith e cultivados por empresários, em primeiro lugar para seu benefício, do calibre de Henry Ford, o qual aumentava o salário dos seus empregados para habilitá-los a adquirir os carros fabricados por eles próprios.

Esta forma de sabedoria, ou de esperteza, não passou de mero esboço no Brasil, até o advento trágico, e aqui é tragédia mesmo, do neoliberalismo que se incumbiu de pô-la em xeque. Vale dizer que assistimos à  negação do liberalismo, nascido da Revolução Industrial inglesa e da Revolução Francesa. Naquele contexto europeu, a Península Ibérica ficou isolada, de sorte a impedir que o Brasil, colônia portuguesa e refúgio de D. João VI, fosse alcançado pelo pensamento renovador. Já os países de colonização espanhola envolveram-se em regeneradoras guerras de independência, aquela que aqui não houve e nem poderia haver.

Não me desagradaria, muito pelo contrário, se um Bolívar campeasse na nossa história, em lugar, digamos, do Duque de Caxias. Nada disso, contudo, faz de mim um bolivariano, a partir da percepção de que o Brasil não precisa de um Chávez.

Em contrapartida, o Brasil não precisa de quantos entre os graúdos ainda sonham com o golpe. Não me refiro à  patética passeata que recentemente percorreu ruas paulistanas, dividida na encruzilhada: derrubada manu militari ou impeachment da presidenta reeleita? Há mais senhores e senhores ainda reféns da mentalidade golpista do que imagina a nossa vã filosofia. O que não deixa de ser normal no país da casa-grande e da senzala, embora, na opinião de CartaCapital, tudo não passe de devaneio.

Grave, acabrunhador, é que não faltem entre quantos enxergam bolivarianos de tocaia atrás de cada esquina, prontos a devorar criancinhas como os comunistas de antanho, rentistas notáveis e pretensos intelectuais, de professores universitários a imortais da Academia. Uma nata da nata ou leite talhado? Servem apenas para provar o atraso cultural do País.

Arrisco-me a propor a fundação da Universidade do Humorismo Nativo, e logo me arrependo e volto atrás. Não me surpreenderia se a sugestão fosse aceita. Cuidado, recomendava Raymundo Faoro, refreie a sua ironia, eles vão entender que você fala sério.

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