Ricardo Gomyde*
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) prevê que o Brasil logo será o maior país agrícola do mundo. O ritmo de crescimento da produção brasileira de alimentos deixa claro que a virada está prestes a ocorrer; a receita com as exportações do setor foi de US$ 101,5 bilhões em 2013, valor 4% superior ao do ano anterior e novo recorde !” em termos nominais !”, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Os pesquisadores da entidade dizem que nos últimos 14 anos (de 2000 a 2013) a agricultura brasileira tem contribuído fortemente para a geração de divisas para o país. No período, o volume exportado cresceu quase 230% e os preços externos, 101%. O saldo comercial (receitas das exportações menos gastos com importações) mais que quintuplicou, com crescimento de 468%.
Em 2000, o país ocupava o sexto lugar no ranking e hoje já é o terceiro maior exportador de produtos agrícolas do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e União Europeia. Os dados merecem ser comemorados, mas é preciso fazer uma profunda reflexão sobre esse fenômeno. Nesse período, sem descuidar da necessidade de aumentar a distribuição da produção brasileira internamente, combatendo a fome com vigor, os produtos que saíram do país levaram consigo mais valor agregado.
Até então, o Brasil era um exportador medíocre, um perna-de-pau que vendia lá fora muito menos do que podia. Não dávamos a devida importância para o setor, a ponto de promover, nos anos 1990, um verdadeiro desmonte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um dos principais institutos de produção de conhecimento do país. O empenho para recuperar a capacidade da empresa desde os anos 2000 foi um dos grandes responsáveis por essa posição de destaque que o Brasil conquistou no mercado agrícola mundial.
Também não construímos uma competência brasileira no comércio exterior. Era fácil para uns poucos de sempre produzir qualquer coisa e vender de qualquer jeito para qualquer um. Hoje damos mostra de que temos condições de encarar gente que sempre causou medo no competitivo mercado mundial por sermos a única grande agricultura tropical do planeta. Aqui no Paraná essa vantagem é maior ainda, pois é possível duas boas safras ao ano.
Esses e outros resultados mostram que, com nossa agricultura farta e historicamente subaproveitada, a fome no país era resultado de má-fé ou de mau gerenciamento do Estado. Ela nunca foi uma impossibilidade natural. E, até o início dos anos 2000, não foi devidamente valorizada porque o Estado brasileiro, historicamente, nunca deu a importância devida para a construção de infraestruturas condizentes com o seu potencial. Assim, não construímos ontem nossas estradas de ferro e demoramos muito para começar a nos conectar por estradas !” ainda hoje incompatíveis com a necessidade do setor por não contemplar a geografia da produção e ser, em alguns lugares, fonte de exploração desenfreada, como vemos com os pedágios aqui no Paraná.
Apesar desses gargalos, a distribuição da riqueza, antes ideia proscrita nos círculos que detinham o poder no Brasil, se transformou em pré-requisito nesses últimos anos. Boa parte do lucro dos produtores está cada vez mais atrelada ao poder de compra dos consumidores, bem como à inclusão dos socialmente excluídos na ala economicamente ativa da sociedade. A obviedade da importância de um mercado doméstico robusto para o desenvolvimento econômico e social do país finalmente está se consolidando. Mas para que ela deslanche ainda mais, é preciso que o Estado brasileiro leve em conta algumas coisas.
Resumidamente, podemos classificá-las como políticas capazes de fazer a produção brasileira ser exportada e ao mesmo tempo garantir a distribuição interna !” por meio, principalmente, da geração de emprego e renda. Do mesmo modo, os produtos que saem do país devem levar consigo mais valor agregado. O Brasil desses últimos anos mostrou que não existe um método mais eficaz de integrar vastos contingentes ao clube dos consumidores do que transformar todo o povo em consumidor.
Passando ao largo de discursos grandiloquentes e demagogias ocas, o advento de uma sociedade de consumo de massa no Brasil começou a funcionar como atalho econômico para a solução de muitas de nossas mazelas sociais. O brasileiro consumindo mais leite, mais grãos, mais carne, mais frutas é, sem dúvida, uma pessoa com mais potencial para alicerçar um novo ciclo da nossa história. A dívida social, enfim, começou a ser paga. A égide do consumo popular, dessa forma, representou o início da verdadeira esperança de dias melhores para o país, de um projeto de nação solidamente instalado no Estado, coisa que jamais tivemos.
*Ricardo Gomyde, especialista em políticas de inclusão social, foi membro da Comissão Organizadora da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Escreve nos sábados no Blog do Esmael.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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