Ivan Bonilha, do Tribunal Faz de Contas, sofre derrota no TJ

“Advogado dos Pobres” derrota “cueca de seda” nos tribunais

Misael Caetano, conhecido como advogado dos pobres, derrotou o "poderoso" Ivan Bonilha.
Misael Caetano, conhecido como advogado dos pobres, derrotou o “poderoso” Ivan Bonilha.
O líder comunitário Anatólio Novaes da Silva, conhecido como Natinho, da Vila Araguaia, conseguiu um feito digno de registro no Guinness Book: derrotou o todo-poderoso! Ivan Bonilha, conselheiro do Tribunal Faz de Contas do Paraná (TCE), no Tribunal de Justiça (TJ).

Bonilha, também conhecido como Censurinha!, por causa do serviço prestado na campanha de 2010, em prol da censura à s pesquisas eleitorais, cerceamento de opinião de jornalistas, blogueiros, ativistas virtuais, sites, jornais e revistas, queria R$ 20 mil de indenização do líder comunitário.

Afinal, que crime teria cometido o líder comunitário Natinho? Ora, o de cumprir seu dever perante sua comunidade da Vila Araguaia. Ele denunciou Bonilha ao Ministério Público e à  Polícia Federal por suposta omissão na cobrança de dívidas de IPTU no período em que foi Procurador do Município de Curitiba. O inquérito, que também arrolava o então prefeito Beto Richa (PSDB), foi arquivado.

Buscando vingança pessoal, Bonilha pediu impagável indenização a Natinho. Quis mostrar força e exemplá-lo diante de possíveis outros questionamentos futuros. Entretanto, o TJ entendeu que não houve dano moral.

O advogado Mesael Caetano, que representou Natinho na ação, comemorou: à‰ uma prova de que Davi pode vencer Golias, quando a causa é justa!. O jovem Mesael é conhecido na Boca Maldita, centro de Curitiba, como “Advogado dos Pobres”.

Leia a íntegra do despacho do TJ:

Economia

Processo 917116-2 Apelação Cível

Data 14/12/2012 13:24 –
Disponibilização de Acórdão
Quantidade Folhas 11
Remessa 18/01/2013
Relação 201300007
Publicação 22/01/2013
Número DJ 1023

APELAà‡àƒO CàVEL N. 917.116-2 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIàƒO METROPOLITANA DE CURITIBA, 3.!ª VARA CàVEL APELANTE: IVAN Là‰LIS BONILHA APELADO: ANATOLIO NOVAES DA SILVA RELATOR CONVOCADO: ALBINO JACOMEL GUà‰RIOS (EM SUBSTITUIà‡àƒO AO DESEMBARGADOR ARQUELAU ARAUJO RIBAS)

RESPONSABILIDADE CIVIL. REQUERIMENTOS DE INSTAURAà‡àƒO DE PROCEDIMENTOS INVESTIGATà“RIOS. AUSàŠNCIA DE ATO ILàCITO. NàƒO DEMONSTRAà‡àƒO DE DOLO OU CULPA GRAVE DO REQUERENTE. DEMANDA IMPROCEDENTE. SENTENà‡A MANTIDA. APELAà‡àƒO NàƒO PROVIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 917.116-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 3.!ª Vara Cível, em que é apelante Ivan Lélis Bonilha e apelado Anatólio Novaes da Silva.

Acordam os Magistrados da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não prover a apelação, nos termos deste julgamento.

!§ 1. Ivan Lélis Bonilha demanda Anatólio Novaes da Silva dizendo, em resumo, que este lhe imputou a prática de crime de prevaricação, a ele e ao então prefeito municipal Carlos Alberto Richa, em um procedimento que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Paraná e foi mais tarde arquivado. Sustenta que a acusação feita pelo réu prendia-se a suposta omissão na cobrança de dívidas de IPTU. Sustenta que o réu causou-lhe dano moral ao proceder daquela forma, devendo, por isso, responder por perdas e danos.

O réu contestou deduzindo defesas processuais e negando a existência do ilícito.

A MMa. Juíza julgou improcedente a demanda.

O autor recorre dizendo que o réu procedeu com culpa, com negligência ao iniciar o procedimento investigatório.

O recurso foi respondido.

à‰ o relatório.

!§ 2. Resumo

1. O réu requereu ao Procurador Geral de Justiça e ao Superintendente da Polícia Federal do Paraná, em março de 2009, na condição de presidente de uma associação de moradores, abertura de procedimentos investigatórios para apuração das razões da inércia do Município de Curitiba em cobrar judicialmente o IPTU devido pelo espólio de Frederico Júlio Reginato (fls. 44 a 49).

2. No requerimento endereçado ao Procurador Geral de Justiça são mencionados expressamente:

a) duas situações: uma que descreve o ajuizamento de execuções fiscais (IPTUs dos exercícios de 2005 a 2008) e outra, que aponta para o não ajuizamento de execuções fiscais (IPTUs dos exercícios de 1983 em diante);

b) a prática do crime de improbidade administrativa e suspeitas de ilegalidades “cometidas dentro do Município de Curitiba e notadamente na Procuradoria do Município”;

c) a indicação da necessidade do depoimento do autor e do então prefeito municipal Carlos Alberto Richa no procedimento investigatório instaurado.

3) No requerimento dirigido à  Polícia Federal, o autor e Carlos Alberto Richa são colocados como partes no polo passivo do procedimento e, no seu último parágrafo, consta o pedido expresso de “abertura de processo investigatório para apurar responsabilidade dos gestores públicos, quanto aos delitos, com investigação de tais atos no Município de Curitiba”.

4) Os dois requerimentos – ao que parece – foram instruídos com o documento de fl. 50, que aponta para a pendência de débitos do IPTU pelo espólio de Frederico Júlio Reginato e para a falta de iniciativa do Município para a cobrança dos tributos em atraso.

5) Como consequência do requerimento ao Procurador Geral de Justiça instaurou-se inquérito civil para a investigação dos fatos relatados pelo réu (fls. 71 e seguintes), inquérito arquivado em agosto de 2009 após a Promotora de Justiça concluir que anos antes, em 2001 e 2005, houve dois processos administrativos de dação em pagamento e que resultaram na quitação das dívidas do IPTU dos anos de 1983 em diante (fls.
764 e ss.).

6) Por fim, a requerimento do Ministério Público (fls. 797 e ss.), a Segunda Câmara Criminal deste Tribunal determinou o arquivamento do procedimento investigatório (fls. 895 e ss.).

7. Imputando ao réu culpa e o cometimento de ato ilícito ao promover a instauração dos procedimentos, todos infundados, o autor propôs esta ação de indenização, para compensação do dano moral, não acolhida em primeiro grau pelo fundamento da ausência de provas da má-fé do réu ao proceder da maneira como agira iniciando as investigações.

8. Em linhas gerais o autor, nas razões de recurso, procura realçar a negligência do réu ao tomar a iniciativa de buscar as autoridades públicas para a apuração dos fatos.

2.1. Denunciação caluniosa

O autor entende que: (i) o réu procedeu ilicitamente ao procurar o Ministério Público e a autoridade policial para denunciar omissões da Procuradoria Geral do Município de Curitiba, do qual ele (autor) era o procurador-chefe, e (ii) a acusação infundada de prevaricação ofendeu-lhe a honra (na inicial há menção à  compra de apoio para a reeleição de Carlos Alberto Richa, afirmação estranha ao que está nos autos), com o réu “deixando-se levar por paixões inferiores e por interesses `absolutamente escusos'” (fl. 31).

Em casos como o dos autos, de suposta ofensa à  honra cometida pela instauração de procedimentos penais ou administrativo- disciplinares, para que o ofensor, isto é, para aquele que inicia um processo judicial ou administrativo atribuindo a outrem um delito ou uma falta, responda por perdas e danos é indispensável o dolo ou ao menos a culpa grave, rigor que se justifica pelas seguintes razões. O indiciamento ou a comunicação à  polícia ou a outra autoridade da suspeita da prática de um delito e a indicação do possível autor do crime ou do ato ilícito lato sensu não constituem, em princípio, ato ilícito, amparando o comportamento daquele que se diz vítima de um crime ou do indivíduo que tem conhecimento de um crime ou de alguma ilicitude e denuncia o fato à s autoridades o artigo 5!º, II, do Código de Processo Penal e o artigo 5!º, XXXIV, da Constituição da República, que consagra – este último – o direito de petição, ou o direito de endereçar requerimentos à s autoridades públicas e delas obter uma resposta.

E sempre que existir um direito e o exercício regular dele não haverá ato ilícito, ex vi do artigo 188 do Código Civil, ainda que do comportamento do titular do direito de petição resultem danos materiais ou morais a alguém.

Mas como todo direito, esse, de requerer a abertura de inquérito policial, ou de comunicar à  autoridade policial um delito, quando exercido abusivamente, caracteriza o abuso de direito, dando margem à  responsabilidade civil do suposto ofensor, isto é, daquele que abusivamente requer a instauração do procedimento. à‰ partindo dessa regra geral que a doutrina exige, em casos assim, o dolo, consistente no comunicar um fato à  polícia ciente de que o indiciado não o praticou ou mesmo que sequer um delito foi cometido. O entendimento contrário, do só indiciamento equivocado, sem a vontade consciente de incriminar falsamente, implicaria em uma séria restrição à quele direito, de matiz constitucional, com conseqà¼ências práticas que contrariariam uma autêntica política legislativa, inclusive criminal: inibiria ou limitaria a persecução criminal, pelo temor da vítima de, indicando erroneamente o suspeito, envolver-se, ocorrendo o arquivamento do inquérito ou a improcedência da ação penal, em uma demanda indenizatória.

Nesse sentido:

Para que haja denunciação caluniosa, o agente, além de dar causa à  instauração de investigação policial ou de processo judicial contra pessoa determinada (= alguém), precisa também ter ciência da inocência (= “de quem sabe inocente”), seja porque não foi o autor do crime, seja porque este não existiu…

Como o agente precisa efetivamente saber que a pessoa acusada é inocente (RT 613/296, 612/290, 593/333) e como a imputação deve ser objetiva e subjetivamente falsa (RT 510/351, 493/276), e porque o simples fato de o crime averiguado não resultar comprovado, e ser o inquérito arquivado, não justifica, por si só, a existência de denunciação caluniosa (RJTJESP 112/532, 106/480, 69/314), há de se entender que o requerimento para a abertura de inquérito policial ou a representação que tenha sido feita à  autoridade policial para a apuração de um fato, pode não constituir delito, não ensejando, por conseguinte, a reparação por dano moral por parte do envolvido na investigação. Para que haja reparação do dano moral é necessário que a acusação tenha sido caluniosa, ou seja, fique provado o dolo, ou pelo menos a má fé, a temeridade ou a malícia do requerente1

e

Esse mesmo autor observa que a jusrisprudência só tem deferido indenização por perdas e danos, em matéria de denunciação caluniosa, seja sob a forma de ressarcimento dos danos patrimoniais indiretos ou presumidos, seja sob a forma de reparação do dano moral, quando configurada a ilicitude do procedimento do 2 ofensa.

O simples pedido de abertura de inquérito, para apuração de fato havido como delituoso, não dá lugar a ação de indenização por perdas e danos, por parte do envolvido na investigação, desde que não provada a má fé ou malícia do requerente3.

Aqui tem pouca ou mesmo nenhuma importância o desfecho dos procedimentos judicial, policial ou administrativo, resultado que comumente não pode ser previsto ainda no limiar do inquérito ou do processo, porquanto o oferecimento da denúncia ou o acolhimento da ação penal dependerá de provas e do critério estrito empregado no seu exame pelo juiz ou pela autoridade administrativa – somente com indícios sérios e idôneos o Ministério Público pode oferecer denúncia e apenas com provas suficientes o juiz condenará, impondo-se, no processo criminal o princípio do in dubio pro reo e ao final do inquérito, aquele outro (princípio) que exige ao menos o fumus boni iuris, ou algo que aponte para a existência do crime e para a provável participação do indiciado

1 Grifos nossos, VALLER, Wladimir, A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro, 2.!ª ed., São Paulo: E. V. Editora, 1994, pp. 114 e 115.

2 STOCO, Rui, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 3.!ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 526.
3 STOCO, Rui, ibidem.

nos fatos, pois, caso contrário, “a Justiça se tornará terrivelmente temerária e perigosa” (RT 659/295, e ainda RT694/342). A aléa sempre presente e o domínio do inquérito pela autoridade policial, pelo Ministério Público e pelo Juiz, que escapa ao controle direto do ofendido, salvo na hipótese do artigo 29 do Código de Processo Penal, recomendam que o dolo daquele que comunica o fato ou requerer a instauração do inquérito ou do processo administrativo-disciplinar deva ser examinado nesses momentos – da comunicação e do requerimento, muito embora o sucesso ou não dos procedimentos possa servir de indício daquele elemento subjetivo.

Conseqà¼entemente, (a) se qualquer pessoa pode ou mesmo tem o dever de denunciar fatos supostamente criminosos à  autoridade, provocando as investigações correspondentes e mesmo o indiciamento do suspeito, (b) respondendo criminal e civilmente por dolo, ou quando assim proceder ciente da injustiça das acusações, (c) conclui-se que, se a pessoa pode iniciar procedimentos investigatórios, não tem ela o dever de não iniciá-los, salvo quando ciente da inocência do investigado.

Exatamente nesse ponto surgem os pontos sensíveis da causa, todos relacionados com a prova, resumindo-se, esses pontos, na verdade, nesta indagação: pelo material probatório que o réu dispunha no ano de 2009, ano dos requerimentos, ele agiu no mínimo com culpa grave?

A resposta é negativa.

a) O réu era presidente de uma associação de moradores de uma comunidade que passava pela angustiante situação de viver em uma área, objeto de invasão, que dependia de regularização pelas autoridades municipais e cujos proprietários, pelo que lhe fora informado na Prefeitura Municipal de Curitiba, eram devedores de expressivo valor de IPTU desde o ano de 1983 e sem que o Município tomasse alguma medida judicial, o que, quer parecer, impedia a legalização do terreno. Ou seja, ao contrário do que se alega, ele, réu, tinha um interesse a defender, o dos moradores da Vila Araguaia.

b) Levando-a a acreditar que o Município não vinha adotando qualquer medida judicial para cobrança da dívida existia o documento de fl. 78, um documento público, expedido pelo Município de Curitiba, que dava conta da pendência dos tributos e da inércia da Procuradoria do Município em providenciar a respectiva cobrança (lê-se claramente ali que as dívidas relacionadas ali não eram objeto de cobrança).

Portanto, sem necessitar de maior averiguação, já que um documento público descrevia uma situação de aparente ilegalidade, qualquer homem mediano interessado na resolução do problema dos moradores agiria, e agiria convencido de que as autoridades públicas omitiam-se.

Essas duas circunstâncias bastam para afastar a culpa, e com maior razão qualquer especulação sobre o dolo ou a culpa consciente.

De fato: se a culpa consiste no descumprimento de um dever preexistente e na previsibilidade do resultado da conduta – desobediência ao dever e dano – e se é o comportamento do homem médio que deve servir como critério para a avaliação do comportamento in concreto do ofensor, tem-se que naquelas condições qualquer pessoa que devesse agir agiria da mesma forma, procurando denunciar a omissão ao Ministério Público e à  autoridade policial.

c) Os procedimentos investigatórios iniciados no Ministério Público (houve dois, um perante a Procuradoria-Geral de Justiça e outro perante a Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público) foram mais tarde arquivados, é certo, mas por razões que o réu desconhecia e que sequer poderia conhecê-las no momento em que agira, no ano de 2009. As investigações da Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público resultaram na descoberta de dois procedimentos administrativos para processamento da dação em pagamento proposta pelos devedores fiscais e que resultou, depois de aceita pelo Poder Público, na extinção dos débitos do IPTU não ajuizados e que levaram o réu a requerer providências; só que ao tempo em que este obteve a certidão de pendência das dívidas as informações sobre o andamento da dação em pagamento não estavam a disposição de terceiros; elas se encontravam apenas no sistema do Prefeitura, mas sem que constassem em outro setor ou pudessem ser consignadas em documentos fornecidos a terceiros, conforme disseram as duas testemunhas ouvidas em juízo. Isso equivale a dizer que mesmo que o desconfiasse dos termos do documento de fl. 50 e quisesse seguir nas investigações, ele não obteria mais dados além daqueles que constavam no mesmo documento. O quadro que ele tinha diante de si conduziria qualquer pessoa mediana a proceder da mesma maneira como ele procedera, seguindo o que ficara ajustado nas reuniões da associação de moradores.

Desse modo, a r. sentença deve ser mantida.

!§ 3. PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade de votos, não provê a apelação.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Luiz Lopes (Presidente – Revisor) e Nilson Mizuta, que acompanharam o voto do Relator.

Curitiba, 06 de dezembro de 2012.

(assinado digitalmente) Albino Jacomel Guérios Relator

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