Artigo sobre aposentadorias a ex-governadores: “Não vale para um, não vale para todos”

por André Folloni, na Gazeta do Povo

Nenhum progresso para o Estado brasileiro resulta da manutenção de privilégios remanescentes do regime ditatorial, de triste memória

Foi bastante divulgada a decisão do governador Beto Richa, que acatou parecer normativo do procurador do estado Roberto Altheim, cancelando as aposentadorias que recebiam os ex-governadores do estado, eleitos já na vigência da Constituição de 1988.

A aposentadoria especial de governadores, realmente, não se justifica. Há um movimento, aparentemente geral, contra o benefício. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal, contra o artigo 85, !§ 5.!º, da Constituição do estado do Paraná, seguindo movimento já feito em relação ao Mato Grosso do Sul, Sergipe e Rondônia. Assim, a OAB cumpre sua importante função pública de defesa da Constituição Federal, custeada, para tanto, por todos os advogados do Brasil.

O preceito atacado concede um subsídio! !“ como um salário de aposentadoria !“ a ex-governadores de estado. A ADI da OAB está fundamentada em parecer de José Afonso da Silva, um dois mais importantes estudiosos de direito constitucional da história do Brasil. Entre outros argumentos de caráter técnico-jurídico, a petição aponta que subsídios só podem ser pagos a quem está no exercício de determinadas funções públicas, não sendo, portanto, cabíveis a quem já não mais exerce aquelas funções.

Outro argumento, esse mais importante, diz respeito a uma questão de isonomia: não se pode conceder uma condição diferenciada a alguém, senão com fundamento em algum motivo juridicamente razoável. Se todos podem conseguir aposentadoria, em função pública, apenas após 35 anos de contribuição para os homens, e 30, para as mulheres; e apenas após atingir 65 anos de idade para os homens, e 60, para as mulheres; o que justificaria que o governador do estado, após trabalhar apenas quatro anos, ou menos, tivesse aposentadoria integral? Não há razão suficiente que justifique a diferença. Se todos, para obter aposentadoria, precisam contribuir com a previdência pública durante muitos e muitos anos, por que os governadores e seus dependentes teriam condição privilegiada? Não há razão suficiente que justifique o privilégio. Até aí, a decisão é acertada, e merece todos os aplausos.

Economia

O problema está em relação aos governadores empossados antes de 1988. Como a Constituição de 1967, feita durante o regime militar autoritário, tinha norma que aceitava essa regalia, sustenta-se que apenas se podem cancelar as aposentadorias dos governadores eleitos após a Constituição de 1988. Isso é um erro. Se a Constituição atual não aceita um privilégio dessa espécie, ela também não recepciona benefício semelhante concedido pela Carta anterior. Com a vigência da Constituição nova, perdem aplicabilidade todas as normas anteriores com ela incompatíveis. Essa é, claramente, uma delas, como tantas outras normas do regime ditatorial que ainda infestam nosso ordenamento jurídico supostamente democrático.

Por isso, cumpre ir mais adiante na extirpação das regalias dos ex-governadores e de seus dependentes: se é verdade que a aposentadoria não vale para os governadores eleitos após 1988, como efetivamente é, também é verdade que ela não vale para os anteriores. Nesse caso, se não vale para um, não vale para todos. Nenhum progresso para o Estado brasileiro resulta da manutenção de privilégios remanescentes do regime ditatorial, de triste memória. à‰ preciso, rapidamente, acabar com todos eles, instaurando, de vez, um Estado Democrático de Direito no Brasil.

André Folloni, advogado, é mestre, doutorando em Direito e professor da PUCPR.

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